Antes do Palco Sunset do Rock in Rio, “dias sombrios” se passaram na vida de Randy Blythe, do Lamb of God. Este é o nome do novo livro (“Dark days”, ainda sem edição em português) em que o músico de 44 anos lembra a acusação de homicídio na República Tcheca. Ele teria empurrado um fã que tentava subir no palco em um show. O jovem de 19 anos bateu a cabeça e morreu. O líder da banda de metal ficou 37 dias preso em 2012 e sete meses à espera de julgamento, antes de ser inocentado.

O Lamb of God toca no Rock in Rio no dia 24 de setembro, quinta-feira, logo antes do Deftones no Palco Sunset. O mesmo dia tem System of a Down, Queens of the Stone Age e Hollywood Vampires no Palco Mundo.

No livro, que sai no dia 14 de julho, Blythe se lembra de conhecer um “carcereiro metaleiro” na chegada da prisão, mostra como ficou “perdido na tradução” ao tentar falar com colegas de cela, e compartilha reflexões que teve enquanto encarcerado. Ele se chama de “rockstar barato”, desdenhando da fama, mas não esconde a alegria de encontrar uma groupie após chegar livre de volta aos EUA.

‘Carcereiro metaleiro’
“O guarda saiu, deixando a porta da van aberta. Eu acho que ele sabia que eu não ia fugir – a gente estava atrás dos muros altos da prisão agora, e eu ainda estava algemado. Eu escorreguei pelo assento em direção à porta, mas com cuidado. Eu não queria ser estraçalhado por tiros de guardas nos meus três primeiros minutos na cadeia. Eu virei meu pescoço para ver o que conseguia da minha nova casa. O lado de fora de Pankrác até parecia uma casa legal, pelo que eu conseguia ver – de onde eu enxergava, vi um edifício europeu padrão, até arrumado. Tinham até umas caixas floridas no caminho curto das escadas de concreto que levavam até a porta limpa e branca da frente do prédio. Talvez esse lugar não fosse tão tosco quanto Martin disse. Logo o motorista voltou com dois copos na mão: café para ele e água para mim. Eu o agradeci e bebi minha água em dois goles. Ele pegou meu copo e começou a beber seu café. “Sinto muito que isso está acontecendo com você”, ele disse, com um tom amigável. “Eu sou um grande fã de heavy metal”. Eu balancei minhas mãos algemadas querendo dizer “Não esquenta, cara, não é sua culpa”, e disse: “Sério? Que bandas você curte, mano?”. “Eu ouço Bathory, Finntroll e um pouco de Rammstein”, ele disse. “Enquanto esperamos, você quer um café?”. “Isso, meu caro, seria foda”, eu disse. Ele saiu e voltou para a prisão. Isso era muito melhor que eu esperava. Talvez tivessem outros guardas e presos que também fossem fãs de black metal de raiz lá dentro. Logo ele voltou com uma caneca de café com espuma de leite por cima. Eu gosto de café preto, mas não dava para mandar aquele guarda metaleiro legal ir fazer outro. Eu dei um gole – estava quente e tinha um gosto maravilhoso. “Muito obrigado – estava me matando por um café. Como vocês chamam isso em checo? Caffé?”, eu perguntei, usando o termo quase universal na Europa para a bebida. “Cappuccino”, ele disse, com a sobrancelha levantada e um sorrisinho, como se dissesse: “Mano, você nunca tomou um cappuccino antes?”

Perdido na tradução
“Colé? Sou o Randy. Como é que tá?”. Eu perguntei, tentando um inglês informal para testar para testar as águas linguísticas na cela 505. O cara só olhou para mim. Então fui mais formal: “Olá, meu caro companheiro. Esse lugar é uma coisa, não é?”, eu disse. Ele continuou a encarar, não com malícia, mas com incompreensão escrita em seu rosto escuro. “Bonjour, mon ami. Parlez vous francais?”, perguntei, esperando que o pouco que aprendi das aulas de Madame Degnan’s no primeiro ano pudesse ser útil. Mas na verdade ele fez uma careta – obviamente não gostava muito de franceses. Eu o saudei em japonês, e acho que vi algum reconhecimento em seus olhos negros, mas ele continuou calado. Tudo bem, meu japonês é horrível mesmo. Espanhol? Sem resposta. Eu passei por todos os cumprimentos que aprendi ao viajar pelo mundo, arriscando até um patoá jamaicano só pra zoar, mas o cara não soltou uma palavra. Talvez fosse mudo?

Finalmente, eu empreguei a técnica clássica que eu, com vergonha alheia, já vi vários turistas americanos usarem com moradores contrariados por todo o mundo. Eu falei inglês o mais alto possível. Como todos os americanos pelo mundo fazem intuitivamente, o melhor jeito de falar com uma pessoa local confusa no país em que abençoamos com nossa presença é diminuir a velocidade da fala, enquanto se aumenta o volume até estourar os ouvidos. Isso, claro, garante a compreensão instantânea da nossa linguagem. “ALÔOOO-O, EU SOU RANDY”, eu gritei. “EU SOU DOS ESTADOS UNIDOS. RAAAAAN-DY. ESTADOS U-NI-DOOOS.”

Reflexão na cadeia
“Eu viajo o mundo, sou pago para pular e gritar feito um maluco em lugares exóticos que a maioria das pessoas nem sonharia ir. É mesmo assustador para mim, toda vez que penso nisso. Eu ainda não consigo acreditar que pessoas por todo o planeta esperam para me ver com a banda chegar aos seus países e fazer nossas músicas e danças ridículas. Incrível.

Mas eu não me considero um rockstar, pelo menos não um rockstar de verdade. Rockstars de verdade são podres de ricos, têm legiões de mulheres e/ou homens lindos se jogando neles e não conseguem andar pelas ruas sem serem ameaçados de morte. Rockstars de verdade são convidados para coisas estranhas como semanas de moda em Milão ou para a Casa Branca. Nem o presidente nem ninguém de sobrenomes como Gaultier me ligou ainda, então mesmo que eu seja bem conhecido no estilo de música que toco, não sou um rockstar de verdade.

Eu prefiro o termo rockstar barato. Um rockstar barato lembra um rockstar de verdade de muitos jeitos superficiais, e muitos rockstars baratos tentam bastante manter a aparência de que eles nadam na mesma onda dos garotos e garotas grandes, mas há algumas diferenças grandes, geralmente intransponíveis. Um rockstar barato não tem cacife para torrar sua grana extra em dentes de diamante, em uma garagem cheia de Porches e Lamborghinis (a gente não teria dinheiro nem para financiar um jogo de pneus), ou arte impressionista obscura da Micronésia. Um rockstar barato provavelmente nunca vai conhecer, e certamente não vai namorar uma supermodelo. Um rockstar barato nunca vai ter um avião ou iate particular, nem ser aceito em algum clube estranho de entusiastas desses veículos de luxo. Um rockstar barato nunca vai dizer essas palavras: “Aguarde um segundo, Preston – minha governanta de Malibu está na outra linha.”

Boas vindas
As palavras “Bem-vindo ao lar, senhor” nunca soaram tão doces como as que vieram dos agentes americanos do aeroporto JFK, de Nova York, enquanto me devolviam meu passaporte no dia 3 de agosto de 2012. Além de uma sacolinha barata de lembranças da prisão, eu não tinha nenhuma bagagem para despachar para meu voo para Richmond, então eu fui direto para a saída do terminal em direção ao solo americano (ou pelo menos ao concreto de Nova York) pela primeira vez em meses. Enquanto eu me movia com a multidão pelo último portão de segurança, ouvi uma voz feminina chamar meu nome. Eu me virei e vi uma morena gata parada perto da saída. “Randy, queria só que você soubesse que estou feliz por você voltar”, ela disse, e me deu um abraço.

Lia era uma fã de Lamb of God de Nova York que leu na Internet que eu tinha sido solto. Os detalhes do meu voo não foram divulgados, mas Lia tinha espertamente descoberto que eu provavelmente voaria direto de praga para Nova York ou Washington, e então pegar uma conexão para Richmond. Como ela morava em Nova York e tinha a tarde livre, ela conferiu todos os voos de Praga para o JFK, e decidiu ir e tentar me ver no desembarque. Depois de esperar algumas horas inúteis ela estava quase saindo, mas decidiu arriscar em mais um voo. Lia não era uma stalker ou uma aberração; ela só achou que alguém tinha estar lá para me dar as boas-vindas de volta aos EUA, e depois de fazer isso ela me disse que ia embora. Eu fiquei profundamente comovido com seu gesto afetuoso, e perguntei se ela queria ficar e tomar um café comigo…”