Os reservatórios de água arredondados, com cobertura em forma de cone, feitos de placas de cimento e pintados de branco já fazem parte do cenário do Semiárido brasileiro. Os equipamentos dão um alento a 22 milhões de pessoas, famílias que vivem no sertão nos estados de Alagoas, da Bahia, do Ceará, de Minas Gerais, da Paraíba, de Pernambuco, do Piauí, do Rio Grande do Norte e de Sergipe.

Na comunidade Pereiros, em Nova Russas (a 304 quilômetros de Fortaleza), a casa da agricultora Maria Bezerra Magalhães Camelo, mais conhecida como Marinete, foi a primeira a ter uma cisterna, em 2002. A realidade da família mudou e a antiga forma de conseguir água ficou só na memória.

“Eu morava em Tamboril (município próximo) em 1988, quando fiquei grávida. Buscava água a meia légua de casa e carregava balde na cabeça. Nessa época, meu marido foi trabalhar em São Paulo e eu voltei para Nova Russas. A gente sofria muito. Então quando veio a cisterna, a vida da gente se transformou”, conta, exibindo o reservatório cheio de água da chuva.

Em Mossoró (a 281 quilômetros de Natal), na comunidade Jucuri, a agricultora Antoneide Julião de Góis tem uma cisterna de placas – que permite o armazenamento de água para consumo humano em reservatório protegido da evaporação e das contaminações causadas por animais e dejetos trazidos pelas enxurradas – na frente de casa há menos de um ano.

Devido às poucas chuvas no Rio Grande do Norte, não foi possível captar água, nem mesmo o suficiente para limpar o telhado e as calhas que vertem o líquido para o reservatório. Mesmo assim, ela se sente satisfeita em ter a cisterna para poder armazenar a água que vem de um poço na comunidade por meio de uma adutora. “Antes, a gente passava dois, três, até quatro meses sem água. A gente comprava água salgada para fazer as coisas. A cisterna melhorou tudo.”

A meta da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) deu nome ao programa surgido em 2003: Um Milhão de Cisternas (P1MC). No site da instituição já são contabilizados 578.689 equipamentos construídos nas zonas rurais, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). De acordo com a ASA, a construção das cisternas conta com forte mobilização das comunidades que se envolvem no processo e sabem manusear e consertar os equipamentos.

“Mesmo quando não capta água da chuva, a cisterna atende à necessidade da família porque garante um local onde se possa reservar água para utilizar no período que vai ser necessário. Eles têm a independência de não precisar estar todos os dias com um balde correndo atrás de um carro-pipa”, explica Yure Paiva, coordenador da ASA Potiguar.

O Ministério da Integração Nacional, que também integra os esforços para promover segurança hídrica no Semiárido dentro do programa Água para Todos, já soma cerca de 1,2 milhão de cisternas, entre as feitas com a tecnologia de placas e as de polietileno (um tipo de material plástico).

Além de água para ser consumida pelas pessoas, as cisternas também ajudam as famílias a produzir alimentos, mesmo em épocas de estiagem. No sertão, as chuvas costumam se concentrar entre os meses de fevereiro e maio.

Pelo Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), a ASA coordena a instalação de reservatórios que captam água para a produção de grãos, frutas e verduras e para a criação de animais. A agricultora  Marinete, de Nova Russas, exibe satisfeita sua plantação de tomate, pimentão vermelho, cebolinha e maxixe. Para cuidar dos canteiros e para dar de beber ao gado leiteiro, a casa tem, desde o ano passado, uma cisterna-enxurrada, que capta a água que cai no solo por meio de canos. O líquido passa por dois decantadores antes de cair no reservatório de 52 mil litros.

“Antigamente, em época de seca, todo mundo ia embora para o Sul do país. Agora, com as cisternas, melhora tudo. Em vez de você ir comprar alimentos na feira com muito agrotóxico, a gente produz, usa em casa e, muitas vezes, vende nas feiras quando produz mais.”

A casa do agricultor José Almir, na comunidade Conventos, em Crateús (a 355 quilômetros de Fortaleza), conta com uma cisterna-calçadão há três anos. Trata-se de um reservatório, também de 52 mil litros, que recebe a água captada por meio de um calçadão de 200 metros quadrados. Antes dela, o agricultor não conseguia produzir alimentos. “A gente plantava no inverno e, na seca, morria. Depois dela [cisterna-calçadão], a gente planta várias coisas: bananeira, cana, mamão, coco.”

O secretário nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS, Arnoldo de Campos, explica que a próxima fase do trabalho é acelerar a construção das chamadas cisternas de segunda água para fazer com que experiências como as de José Almir e de Marinete se repliquem. “Quem acompanha de perto o drama da seca, vê que as pessoas mantêm sua dignidade, que não houve migrações. Porém, muito da produção agrícola se perdeu, vários animais morreram de sede.”

Para o professor da Universidade Federal do Semiárido (Ufersa), Joaquim Pinheiro, o crescimento das chamadas cisternas de segunda água criam uma nova perspectiva para as famílias da zona rural e enfrenta a lógica atual do agronegócio. “É uma produção para melhorar a alimentação da família e que discute a transição do modelo produtivo agropecuário, pois trabalha com foco na agroecologia. Eu observo que muitos agricultores que, praticamente, não estavam mais produzindo, estão voltando a produzir. Há também um envolvimento maior das mulheres porque [as produções] ficam nos arredores de casa.”