Quando se estudam as causas de acidentes e mortes no trânsito, de início esbarra-se no fator principal, a velocidade. Quando aumentamos a velocidade, aumentamos a energia do movimento (energia cinética). Quanto maior essa energia, maior a possibilidade de lesões cada vez mais graves.
O entendimento e a aceitação tem que excluir a ideia de que o objetivo da redução da velocidade na cidade de São Paulo é aumentar a arrecadação, produzir maior lentidão ou engarrafamento. Temos que correr sim, mas atrás da manutenção da vida, da redução das mortes e sequelados produzidos por este trânsito.
O engarrafamento e a lentidão do trânsito são problemas de longa data, é crônico, precisamos resolver. Não surgiu com a redução da velocidade; aliás, a redução possibilita a maior fluidez. A alta velocidade faz com que se acumulem veículos, enquanto mantendo-a baixa e uniforme as conhecidas lentidões e engarrafamentos tendem à redução. O maior responsável pelos congestionamentos é o excesso de veículos nas ruas.
Temos que deixar de pensar na individualidade e privilegiar o coletivo. Só nos revoltamos, reagimos, pedimos justiça quando alguém da nossa família foi atingido. Mas será sempre assim, a sociedade reagirá quando se perder um ente querido? É preciso que todos se conscientizem de que necessitamos de atitudes firmes e objetivas para a redução das mortes e sequelados em nossas vias.
A Organização das Nações Unidas (ONU), diante do absurdo de 1,2 milhão de mortes e 50 milhões de lesionados no trânsito no mundo, propôs a redução de 50% nessa década de 2011 a 2020. Pior é que, com uma frota bastante reduzida em relação a outros países, o Brasil encontra-se no terceiro lugar no ranking mundial.
A velocidade é o primeiro fator desencadeante de mortes no trânsito brasileiro. Os veículos produzidos no Brasil são frágeis, segundo a Latin Ncap. Eles não são capazes de absorver a energia de uma colisão, permitindo que essa energia se propague para dentro do veículo causando danos muitas vezes irreversíveis a quem está no seu interior. Estudos que se iniciaram em Londres e se propagaram para o resto da Europa mostram: a 32 km/h podemos causar mortes em 5% de pedestres, 65% serão lesionados e 30% ficarão ilesos. Aumentando para 48 km/h, teremos 45% de óbitos, 50% de lesionados e 5% de ilesos. Pisando mais no acelerador e com 64 km/h teremos 85% de óbitos e 15% de lesionados.
A implantação de novos limites de velocidade a que muitos estão reagindo, não aceitando, buscando alternativas para justificar o absurdo que acham na nova regra adotada, não se justifica. A responsabilidade é de técnicos em engenharia de tráfego, que buscam o bem-estar físico, mental e social da população.
Há a necessidade de colaboração das organizações governamentais, não governamentais e da sociedade no sentido de entender que o objetivo maior é o de preservar vidas. Temos hoje números de óbitos e de incapacitados temporários e definitivos para a vida crescendo todos os dias. Em 2014 morreram no país, no trânsito, 54 mil pessoas, 330 mil ficaram incapacitados definitivamente. A faixa etária é entre 18 e 34 anos.
Precisamos repensar o comportamento adotado e entender que a máquina sobre rodas é um perigo iminente e não um brinquedo de gente grande.

*médico, é diretor da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego).