O sistema universitário brasileiro é diversificado, como sabem todos. Nos dias que correm, por exemplo, enquanto as universidades federais amargam uma prolongada greve que já se estende por 80 dias, em São Paulo as estaduais se debatem com questões de outra envergadura, ainda que bastante associadas ao quadro geral de penúria por que passam todas as instituições. Estão às voltas com cortes, ajustes e limitações.
Tanto quanto greves por tempo indeterminado, as restrições orçamentárias e a decisão de cortar salários de professores e servidores que ganham acima do teto do governador têm idêntico poder corrosivo e de destruição. Fazem com que as universidades sangrem a céu aberto.
O teto salarial surge sempre cercado de incompreensão e invariavelmente reflete um profundo desinteresse pelas particularidades e pelo relevante papel das universidades estaduais.
A limitação dos salários é vivida pelo governo paulista e por parte da opinião pública com dose extrema de hipocrisia e com uma coreografia barata. É como se o governo quisesse passar por guardião do franciscanismo gerencial e de uma ideia vaga de “moralidade pública”, fazendo isso à custa dos outros. Em vez de adotar postura ousada e criativa para melhorar a performance fiscal-financeira do estado, insiste em forçar em cortar salários, como se isso tivesse algum impacto efetivo sobre as contas públicas. Joga para a plateia. De tabela, fomenta a confusão no interior dos câmpus universitários, antes de tudo por embaralhar as carreiras e desanimar alguns segmentos altamente produtivos e representativos do que fazem as universidades.
Surpreendentemente, é respaldado nessa operação pelo Ministério Público de Contas de São Paulo, que o incentiva a forçar as universidades a respeitar o teto.
A postura é hipócrita porque usa como parâmetro o salário do governador (R$ 21,6 mil), mas não leva em consideração que este valor não corresponde ao que ganha de fato o governador, que tem casa, comida e gastos inteiramente cobertos pelo erário estadual: verbas de representação e subsídios para exercer a função. Usa a despensa e mora no Palácio (dos Bandeirantes) em que trabalha. Seu salário, portanto, não é usado para custear aquilo que mais pesa em um orçamento doméstico da vida real.
Além disso, o cargo de governador não faz parte de nenhuma carreira no serviço público e sua remuneração não segue qualquer parâmetro, podendo ser definida livremente pelas Assembleias Legislativas de cada estado. Trata-se, pois, de um valor arbitrário. Tanto que, no conjunto do País, os salários mensais dos governadores variam muito, podendo ir de cerca de R$ 12 mil a quase R$ 40 mil.
A hipocrisia é completada por uma grave cegueira gerencial: ao passo que professores e servidores das universidades estaduais paulistas devem seguir o teto do governador, seus colegas das universidades federais seguem o salário de um ministro do STF (cerca de R$ 34 mil). Ou seja, no estado mais caro do País e no qual está o grosso da produção científica nacional, adota-se um critério de remuneração mais baixo do que aquele que prevalece nas outras unidades da federação.
É motivo de aplauso e de esperança que o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, o CRUESP, esteja empenhado em conseguir a revisão da medida. Desde 2014, vem solicitando ao governo e aos deputados para que igualem o teto do ensino superior público paulista ao das universidades federais: 90,25% do salário dos ministros do STF, o que corresponde hoje a R$ 30,4 mil. Até agora, não tiveram sucesso. Mas o Conselho promete manter o empenho.
*professor titular da Faculdade de Ciências e Letras em Araraquara e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp.