O Brasil tem leis adequadas para amenizar os problemas de moradia e de regularização fundiária. No entanto, o Poder Público, especialmente os servidores dos setores administrativo e judicial, e as pessoas que precisam de casa ainda desconhecem as ferramentas disponibilizadas para ajudá-las a obter esse direito. A constatação é da pesquisa Não Tinha Teto, Não Tinha Nada – Porque os instrumentos de regularização fundiária (ainda) não efetivaram o direito à moradia no Brasil, apresentada hoje (1°) no Ministério da Justiça, durante seminário sobre direito à moradia.
Focado na situação de 10 capitais brasileiras, o estudo investigou a efetividade de instrumentos de direito urbanístico em situações envolvendo usucapião especial coletivo urbano (quando um grupo de pessoas fica de forma pacífica em uma terra e após cinco anos consegue, na Justiça, o direito de propriedade e divide as terras entre si); concessão de uso especial para fins de moradia (quando o poder público dá o título de concessão de uso, mas a propriedade continua sendo da União); e legitimação de posse (quando o Poder Público delimita um terreno e dá direito de posse ao cidadão e, após cinco anos, transforma esse direito em direito de propriedade).
Coordenadora da pesquisa, a professora Arícia Fernandes, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), disse que o estudo tenta entender por que as ferramentas criadas para resolver os problemas de moradia no país não têm apresentado os resultados esperados. Segundo Arícia, o Judiciário tem uma visão muito conservadora dessas questões, o que o torna difícil entender a efetividade social de tais instrumentos. A administração pública não sabe aplicar a legislação, e o beneficiário não sabe o que fazer para ter acesso às ferramentas previstas na legislação, a fim de regularizar suas moradia, resumiu a professora.
“A legislação avançou, mas suas ferramentas são pifiamente usadas”, disse Arícia.“Concluímos que Poder Público e beneficiários desconhecem as ferramentas disponíveis para regularizar moradias e que isso ocorre porque falta publicidade, divulgação e debate sobre o tema, envolvendo tanto o Poder Público quanto os beneficiários. Falta também capacitação [dos atores públicos envolvidos nesse processo], de forma a dar maior clareza para essas políticas”,acrescentou.
De acordo com a pesquisadora, o Judiciário ainda carrega “uma visão do século 18″ sobre as questões fundiária e de moradia. “[O Judiciário] precisa melhor conhecer a função social da regularização porque não se trata de dar moradia, mas de uma questão envolvendo direito individual e coletivo, por realizar o interesse público. Há, no Judiciário, muita dificuldade para julgar questões coletivas. Por isso, há uma tendência muito forte de desmembrar as ações em lotes, para tratá-las como usucapião individual.”
“As pessoas entendem que a regularização de moradias depende de vontade política, e não como política pública. O desafio é fazer com que o Poder Público entenda que a comunidade não é manancial de votos e que suas decisões não podem ser vistas como favores. Há um direito subjetivo nessa questão, envolvendo o direito à cidadania. Essas pessoas estão lá há anos e têm direito a um endereço”, afirmou Arícia. A pesquisadora destacou ainda a necessidade de as autoridades entenderem que a regularização precisa ir além de uma simples posse e considerar também questões fundiárias, urbanísticas, sociais e ambientais. “É levar a cidade às pessoas, com infraestrutura e serviços. Nesse sentido, o Programa Minha Casa, Minha Vida tem ajudado a dar esse esclarecimento.”
Pesquisa torna-se relevante por “abrir diálogos” com cada um dos atores dos Três Poderes, diz o
secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Gabriel Sampaio
Segundo o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Gabriel Sampaio, ao apresentar diagnósticos, a pesquisa torna-se relevante por “abrir diálogos” com cada um dos atores dos Três Poderes. “[Isso] ajuda a desenvolver os instrumentos já existentes para assegurar moradias aos cidadãos brasileiros e possibilitará ao país um avanço nos direitos fundamentais relativos às cidades e às moradias”.
Iniciada em março de 2014, a pesquisa abrangeu as normativas da regularização fundiária e os entraves da aplicação judicial, administrativa e cartorária em dez capitais: Brasília, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre.