Apesar dos registros de violência em universidades públicas brasileiras nos últimos anos, há uma resistência histórica de alunos e professores à presença da polícia nessas instituições, por temerem interferências no campus. Mas a pressão da violência urbana está transformando esse cenário e pode ser uma oportunidade para a discussão sobre as práticas e o modo como as polícias foram organizadas no país.

No início desta semana, a Universidade de São Paulo (USP) implantou um novo modelo de segurança, incluindo a Polícia Militar (PM). O convênio entre a USP e a PM foi firmado depois de um estudante ter sido baleado em tentativa de assalto perto do prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, no fim de agosto. A mesma saída havia sido adotada há cerca de um mês pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Somente na Universidade de Brasília (UnB), até agosto deste ano foram registradas 1.038 ocorrências de furtos e roubos, entre outros.

Embora não haja nenhuma lei que proíba que os policiais militares atuem nesses espaços, desde o fim do regime militar, quando foram relatados abusos de poder em inúmeras universidades, a segurança dos campi ficou a cargo das próprias instituições. A especialista em atuação policial no Brasil e professora da UnB, Maria Pia Guerra, lembra que o Brasil tem uma das polícias mais violentas do mundo, de acordo com relatórios da Anistia Internacional.

Ela atribui o problema à falta de democratização da polícia, especialmente a militar, criada em 1970 no auge do regime militar. “Durante a ditadura militar, as polícias foram muito fechadas. E por isso é possível pensar que existe um conflito histórico entre as polícias e os estudantes, principalmente os envolvidos em associações políticas e em atividades de protesto”. Segundo Maria Pia, no momento da transição política ficou um vácuo de democratização que manteve a polícia distante da sociedade. “Ela não foi reformada, o que faz com que tenhamos uma polícia muito violenta e racista.”

Em entrevista à Agência Brasil no início desta semana, o reitor da USP, Marco Antonio Zago, disse que os casos recorrentes de violência fazem com que a presença da polícia seja necessária. “Não podemos continuar expostos a essa violência porque nos apegamos a uma questão que é, em essência, não necessária neste momento: a de que a Cidade Universitária não pode ser frequentada por nenhum tipo de força policial”.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, 34 policiais vão atuar exclusivamente dentro do campus, em um modelo de policiamento comunitário. A ideia é que haja uma aproximação da equipe com os alunos, professores e funcionários da universidade.

Maria Pia Guerra defende que este é um bom momento para discutir formas de policiamento mais adequadas à sociedade. “O Brasil se tornou um país violento, então é importante que a polícia seja valorizada e repensada”. Para a especialista, uma solução mais complexa e adequada seria pensar em como democratizar a atuação policial. “Que ela possa ter um treinamento mais adequado, por exemplo, para tratar de conflitos de rua e protestos. É só lembrar as manifestações de 2013 e as últimas para ver a falta de treinamento da polícia em relação a movimentos políticos de modo geral.”

Segundo a professora, essa atuação diferenciada que vem sendo acertada entre a PM e as universidades, com mais diálogo, é um caminho, “mas existe uma pauta dos estudantes de reforma da polícia que deve ser levada em consideração não só para dentro das universidades mas para fora, como a atuação nas periferias”.

Experiência no Piauí

Há pouco mais de um mês, a UFPI firmou parceria com a Polícia Militar para conter a criminalidade no campus Ministro Petrônio Portella, em Teresina. Pelo acordo, os policiais fazem rondas diárias no local, em todos os horários, e prestam apoio ao serviço de segurança interna da instituição, sem entrar nos prédios.

O coordenador de Comunicação da UFPI, Maurício Santana, informou que a presença dos policiais não tem atrapalhado a rotina da universidade. “No início, tivemos certa resistência por parte do Diretório Central dos Estudantes (DCE), mas logo na primeira semana eles viram que a polícia não ia agir de maneira ostensiva, não ia abordar estudantes e professores. Está sendo um trabalho muito bom entre a Divisão de Vigilância e a PM.”

O representante do DCE e estudante de nutrição da UFPI Carlos Viana Júnior concorda que a experiência tem sido positiva e que o campus está mais seguro. “A Polícia Militar está fazendo um trabalho bom, na medida certa, e realmente diminuindo o número de crimes no campus.”  Ele contou que temia que os policiais tirassem a liberdade dos alunos, mas que isso não está ocorrendo.

Viana comentou que a polícia está menos ativa nos últimos dias, desde que alguns professores aderiram à greve e o fluxo de pessoas no campus caiu. “Os estudantes têm percebido que as rondas estão mais raras”. Segundo ele, a polícia está fazendo falta e “o risco acaba aumentando”.

A UFPI ainda não tem números que mostrem a diminuição da criminalidade no campus, mas segundo Maurício Santana, a sensação de segurança aumentou de forma perceptível. Ele contou que o reitor da universidade tem sido procurado por representantes de outras instituições públicas, que querem saber mais sobre a experiência e demonstram interesse em implantar a ideia em outros locais.