Tem-se como corrupção o ato de se auferir lucro indevido ou de maneira incorreta. Porém, há tempos, nota-se que, para muita gente, corrupção vem a ser tudo isso, mas praticado por outra pessoa. Quando for ela que pratica o ato, tudo bem. Está corretíssimo. Ainda é válido o ditado popular que diz que é comum a pessoa notar o cisco no olho do outro, mas não enxergar a trave diante de seus próprios olhos.
Está correto recorrer a recibos de tratamentos falsos para ter desconto no Imposto de Renda? E aquele profissional liberal que se nega a dar recibo para não pagar o imposto correspondente ao que recebeu? O dinheiro sonegado poderia contribuir para a construção de estradas, hospitais e melhorar a infraestrutura do Brasil. A grana acabou indo pelo ralo pelas mãos da própria população.
Se você não tem, deve conhecer alguém que possui uma carteirinha de estudante falsificada. “O ingresso é muito caro”, dirão alguns, tentando justificar seu ato de corrupção. O fato é que a carteirinha falsa já se espalhou de tal maneira, que produtores de espetáculos praticamente dobraram o valor das entradas no Brasil para poder compensar o dinheiro perdido com as falsificações. Sendo assim, quem é honesto e não cria um documento falso acaba pagando valores absurdos por causa da indústria das carteirinhas.
Sabe aquela barraquinha de CDs piratas que existe em todo canto? Ela é um exemplo clássico de crime que está incorporado na sociedade brasileira. As vendas são feitas à luz do dia e sem o menor constrangimento, tanto para o vendedor quanto para o comprador. A mesma regra se aplica à cópia ilegal de músicas ou conteúdos com direitos autorais, feitas pela internet.
Aquela vaga de deficiente não é sua, a não ser que você tenha alguma deficiência, claro. É uma regra simples, mas facilmente ignorada em nosso País. Do mesmo modo que não é difícil encontrar idosos em pé nos ônibus enquanto jovens ocupam os lugares reservados para tirar aquele cochilo. Sem falar nas mães e pais que insistem em colocar crianças enormes, de 5 anos, por exemplo, no colo apenas para furar a fila no caixa preferencial.
Eis uma das máfias mais conhecidas do brasileiro: a da compra de carteira de habilitação. Várias operações policiais já desmantelaram diversas quadrilhas especializadas em vender a carteira de motorista. Os crimes vão desde a compra do documento até o pagamento do famoso “quebra” na hora da prova prática de direção.
O rapaz do caixa lhe dá um valor a mais em troco e você finge que está tudo certo e comemora a “sorte do dia”. A malandragem existente em nossa cultura pode fazer com que a “lei do mais esperto” transforme tudo em uma bola de neve.
Já viu alguém gostar mais de um “cafezinho” do que agente corrupto? Pode ser policial rodoviário, magistrado, delegado, agente de trânsito, funcionário público. Se ele achar que está na hora de tomar aquela xícara de café, vai te pedir uma ajudinha. O “café” certamente será mais barato do que pagar pelo que você fez de errado. De novo, a lei do mais esperto entra em ação e muita gente se deixa corromper.
Quem nunca viu aquele amigo indo para o exterior lotado de pedidos de quem ficou por aqui. “Me compra um Iphone 6 e finge que ele é seu, tira da caixa”. É um contrabando “gourmet”, um pouco mais sofisticado do que já existe há décadas na velha fronteira com o Paraguai. Quem passa a perna na Receita Federal, muitas vezes, é tratado como herói no Brasil, quando deveria ser chamado de corrupto. Concordam? E aquele que faz compras e não paga, deixando muito comerciante em desespero? É só olhar a lista imensa do SPC ou do Serasa.
Muita gente já ouviu falar naquele aparelhinho mágico que “abre todos os canais da sua TV a cabo”. Basta pagar uma vez e pronto, você tem todos os canais livres para consumo. Se não rolar dessa maneira, tem o primo do amigo do irmão que trabalha na operadora de TV a cabo e consegue liberar tudo por uma quantia bem camarada. Mais uma vez, a corrupção entrando na casa de cada um.
E há mais. A lista é infindável. Há empresários, muito bem de vida, que vão ao centro de saúde buscar leite para suas crianças. Outros, que têm farmácias e recorrem ao SUS para pegar medicamento para a mãe. Pode ser até legal, mas é imoral. Afinal, eles podem estar colaborando para que gente pobre, que realmente precisa, venha se privar desse benefício. Ou do tipo daquela senhora que foi para as redes sociais bradando contra a corrupção, apesar de ter sido demitida do serviço por ter roubado um cheque de cliente.
De fato, é horrível a corrupção, só não é pior do que o corrupto que vai para as ruas bradando contra ela, embora a tenha por companheira diária. Para se ter um mundo melhor e mais honesto, há que se começar por si mesmo.
Até quarta-feira
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– Dracena –