O cenário político no Oriente Médio, com a desagregação da Síria, o aumento do número de refugiados e a expansão territorial do grupo Estado Islâmico, além da intervenção de países como Estados Unidos, Rússia, China e França, poderá levar a região a uma guerra de grandes proporções. A análise é do jornalista Kamil Ergin, correspondente no Brasil da Agência de Notícias Cihan, que já trabalhou em dez países, incluindo Rússia, Geórgia, Somália, Macedônia e Kosovo.
O atentado de sábado (10) em Ancara, capital turca, que deixou 105 mortos, faz parte desse teatro geopolítico, que mistura religião, política interna e externa e interesses econômicos. Além da dramática situação na Síria, com uma guerra civil que já completou quatro anos, o jornalista alerta para a situação igualmente frágil de países como o Iraque e de zonas fronteiriças com o Irã e a própria Turquia, onde vivem cerca de 15 milhões de curdos, povo que, após a 1ª guerra mundial, dividiu-se e vive hoje em quatro países. De acordo com Ergin, os curdos representam 20% da população do país, de 78 milhões de habitantes.
“É um ensaio da 3ª guerra mundial. Com a entrada da Rússia, os Estados Unidos também querem fortalecer sua posição. A China adotou posição pró-Assad. A Rússia já avisou que, se a França bombardear a Síria, vai reagir. É como um prédio balançando. Fazer uma reforma é impossível. Melhor é demolir e construir um prédio novo. Este prédio vai cair”, afirmou o correspondente, durante palestra no Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro.
Ergin diz que o resultado das eleições nos Estados Unidos, no próximo ano, também poderá influenciar na geopolítica do Oriente Médio. Para ele, se o Partido Republicano vencer, aumentam as chances de uma intervenção direta americana na região.
A situação na Turquia preocupa o jornalista, que cita a questão curda, e os refugiados vindos da Síria. “A divisão curda na Turquia já começou e vai acelerar. Minha expectativa é que, em dez anos, essa divisão vai acontecer, não tem saída. Aí, poderá ocorrer um conflito interno.” Para ele, a Turquia perdeu a chance de diálogo com os curdos, para manter um país compartilhado. “A divisão curda vai afetar a região, vai acelerar a união entre os curdos do Iraque, da Síria e da Turquia.” O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) reivindica a independência.
Embora tema o recrudescimento da situação regional, com uma guerra de maiores proporções, envolvendo vários países, o jornalista diz esperar que possa surgir daí uma nova composição geopolítica, nos moldes do que ocorreu na Europa, que saiu de uma guerra com milhões de mortos para a formação da União Europeia, com livre circulação de pessoas e uma moeda comum. “Dentro de 20 ou 30 anos, a região do Oriente Médio vai conseguir formar uma união, como hoje existe na União Europeia. Sem um acordo geral, os conflitos nunca vão acabar. Sobram só duas opções, ou concordam em uma região unida, ou vão continuar a luta. Na 2ª guerra mundial, os países lutaram até a última bala. Quando tudo acabou, eles sentaram e fizeram um acordo.”
Kamil Ergin trabalha em São Paulo como coordenador para a América Latina do Grupo Zaman, que edita diversos veículos impressos na Turquia, incluindo o jornal de maior circulação no país, que, segundo ele, tem tiragem de quase 1 milhão de exemplares. O grupo é ligado ao Movimento Gülen, fundado pelo escritor, pensador e educador turco Muhammed Fethullah Gülen, atualmente autoexilado nos Estados Unidos, por discordar do governo turco. O Gülen defende uma interpretação mais leve e atual do Islã e o pacifismo.
Procurada para comentar a atual política turca para a região e também com os curdos, a Embaixada da Turquia no Brasil emitiu nota na qual diz que os cidadãos curdos gozam de todos os direitos constitucionais e vivem integrados com o resto da população, residindo não apenas próximos da fronteira com a Síria, mas espalhados por diversas partes do país. A embaixada afirma que a Turquia não tem problemas com os curdos, mas com a organização PKK, que classifica de terrorista. De acordo com a nota, o PKK tem apoio limitado entre os curdos e visa à separação do país.
A embaixada diz ainda que a Turquia não deseja, nem prevê uma guerra total no Oriente Médio, o que representaria a destruição completa da região. “A estabilidade e prosperidade da região é de máxima importância para a Turquia. O que motiva o país a promover avanços nas relações bilaterais com os países da região e também trabalhar com seus amigos e aliados rumo a este objetivo.”