* Texto adaptado de Osvaldo Piccinin, engenheiro agrônom formado pela Esalq de Piracicaba
O que me vem à lembrança, neste dia, é aquela impressão que guardei de minha infância, no interior. Neste dia, minha mãe nos vestia com a melhor muda de roupa e nos dizia que iríamos visitar e rezar para nossos entes queridos que já haviam partido desta vida. Nunca achei o programa divertido, muito pelo contrário, pois o sol de novembro nos castigava.
No cemitério, depois de rezar e acender velas para nossos parentes falecidos, ficávamos perambulando, de túmulo em túmulo, lendo as lápides, vendo fotos e tentando achar o túmulo de algum conhecido. Claro que respirando muita fumaça das velas queimando, além do cheiro enjoado exalado por determinados arranjos de flores sobre os túmulos.
O portão de entrada se transformava num verdadeiro mercado a céu aberto. Era época de melancia e abacaxi. Fazíamos a festa! O Dito sorveteiro também marcava presença vendendo seus deliciosos picolés, que chamávamos de sorvete. Metade do picolé se derretia pelo calor insuportável, emplastando nossa roupa de ir à missa.
Quando diante do túmulo de algum conhecido de pouco poder aquisitivo, sem lápide e apenas com um cordão de terra e uma simples cruz de madeira, tínhamos a impressão que o coitado não tinha ninguém por ele e às vezes até uma vela acendíamos. Também me impressionava ver o túmulo dos mais abastados, feitos de granito e acessórios de bronze. Alguns pareciam uma pequena capela, outros verdadeiros mausoléus.
Uma das lápides mais interessante que li, dizia: “Aqui, é lugar onde nossa vaidade e orgulho terminam e passamos a ser todos iguais”. Anos mais tarde, já na faculdade, li outro texto interessante diante de um mórbido esqueleto humano numa das nossas aulas de fisiologia animal. “Serás o que sou, fui o que és. Sirvo à ciência, não servirás a nada”.
Nas andanças pelo cemitério, vários “filmes” vinham em minha mente. Diante de cada túmulo, de uma pessoa conhecida, uma história diferente era contada por minha mãe sobre a vida do falecido. Eu tinha impressão que ela conheceu a vida de todos que ali jaziam. Quando passava num túmulo que se destacava pelos ornamentos, dizia: “Este é o defunto mais rico do cemitério! Bela roba”!
Nos túmulos de crianças, ou recém-nascidos, dizia que estes já tinham virado anjos e estavam voando por aí cuidando das almas das pessoas. Quando eu disse a ela, na maior ingenuidade, que também queria virar anjo, levei um sutil beliscão e uma reprimenda do tipo: “Você tá louco? Só vira anjo quem morreu. Por acaso você quer morrer, seu moleque”? Pelo jeito, para anjo eu não servia!
Há muito tempo, resolvi comprar seis gavetas num cemitério, visando um dia, daqui a cem anos mais ou menos, enterrar toda família e mais um cachorro de estimação. Quando os levei para conhecer o investimento que havia feito, meu filho mais novo, de apenas seis anos, na época, me disse: “Pai, eu quero a gaveta de cima. Não quero ficar embaixo de todo mundo, vou sentir muito medo e calor. Isso é com Deus meu filho, respondi. Quanta ingenuidade! Graças a Deus, mudei de ideia e, se depender desse futuro defunto e meu desejo for respeitado, serei cremado. As cinzas? Gostaria que fossem jogadas no pé de nossa jabuticabeira centenária, plantada pelo meu avô no sítio onde nasci