Em Paris, na manhã desse domingo de luto, 15 de novembro, ao contrário do que muitos imaginavam, os franceses, contrariando as recomendações da polícia venceram o medo e o pavor instaurados em decorrência dos últimos ataques e foram às ruas para manifestar sua solidariedade. Rapidamente, a população tem mostrado força de reação e, a despeito do semblante de tristeza, se volta aos seus para afirmar a velha máxima inscrita no brasão de Paris “Fluctuat nec mergitur” (frase utilizada desde os tempos romanos e ratificada nas medalhas de honra entregues aos soldados da Primeira Guerra Mundial), que pode ser entendida como “flutua, mas não afunda”.

Os comentários de jornais e outros meios de comunicação concordam que este não foi apenas um atentado contra a vida de algumas centenas de homens e mulheres, mas também, e isso deve ser levado em conta, contra tudo o que a França representa para o mundo por ser um dos berços dos valores ocidentais.
O alvo dos jihadistas, não restam dúvidas, é ferir o Ocidente naquilo que lhe é mais caro: as liberdades individuais. Talvez por isso, Paris, uma das cidades que serve de vitrine ao mundo pela maneira como seus habitantes cultivam esse direito, tenha sido o cenário escolhido para a praça de guerra desses extremistas.
Sensibilizado com o ocorrido, o presidente dos EUA Barack Obama foi feliz ao classificar o evento como um ataque contra a humanidade, e não só contra franceses ou europeus. Ajudou, assim, a desvendar o que está por trás dos assassinatos: uma guerra de valores revivida e reforçada pelos membros do Estado Islâmico.
A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, sintetizou bem o problema ao asseverar, em um pronunciamento aos jornais, que os ataques tiveram em mira tantos os jovens quanto a liberdade, por terem ocorrido nos bairros preferidos dos parisienses para se divertirem e se encontrarem com amigos.
Nesse contexto em que uma guerra entre dois mundos é iminente, não há como fechar os olhos para a reação de muitos brasileiros. Refiro-me às pessoas que ora culpam os franceses pelos atentados, apontando-os como responsáveis diretos pelo ocorrido, em razão da sua política colonial do passado, ora buscam minimizar o que ocorre na Europa, dizendo que a tragédia de Mariana é mais importante e que, por isso, devemos voltar nossa atenção para o Brasil.
O primeiro argumento é fruto do hábito de professores e intelectuais de buscarem, no passado colonial, causas que possam nos garantir, no presente, a “confortável” e inerte condição de vítimas. O passado é utilizado, nesse caso, para mostrar que os franceses pagam o preço pela exploração colonial, pagam, segundo parte da opinião pública nacional, por invadir terras alheias e ironizar os ídolos de outras religiões. É o velho hábito que se tem no Brasil e em outros cantos da América Latina, de utilizar o passado colonial para justificar as ações das ex-colônias, que hoje se colocam como vítimas de um sistema global de exploração.
O segundo argumento revela outra faceta da ignorância brasileira: a falta de bom senso para separar eventos de naturezas completamente diferentes, já que a sensibilização com os ataques não implica em diminuirmos ou apagarmos recentes problemas próprios de nosso país. Um sinal de maturidade intelectual seria reconhecermos que pertencemos ao Ocidente e que qualquer ameaça aos seus valores é também uma ameaça a nós mesmos.

*mestre, doutor e professor da área de História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Unesp, Câmpus de Franca. Atualmente, é pós-doutorando com bolsa Fapesp em estágio junto à Université Paris Ouest Nanterre, la Défe