Como é de praxe, a mudança de governo na Argentina – que passará a ser presidida por Maurício Macri, vencedor do segundo turno – deverá marcar também um conjunto de mudanças na política externa do país, sobretudo no arco das parcerias preferenciais. É de se esperar, por exemplo, um afastamento da Venezuela. A revisão dos acordos recentemente firmados com a China e a Rússia que envolvem, entre outras coisas, cooperação nuclear; um acerto com os “fundos abutres” além de diálogo mais fluido com os Estados Unidos e organismos de crédito internacional são pautas que devem ocupar a diplomacia argentina nos próximos meses.

Do ponto de vista das relações com o Brasil, a possível frieza causada pelos gestos de preferência do governo brasileiro pelo candidato derrotado, Daniel Scioli, não deve contaminar as relações bilaterais. Ambos os lados já deram suas mostras de boa vontade: Dilma confirmou que irá a posse de Macri e o convidou para vir ao Brasil antes de assumir. Do lado argentino, Macri confirmou que sua primeira viagem ao exterior será ao Brasil e que o país será o sócio principal da Argentina no futuro.
Por detrás de gestos de cordialidade existe um cálculo de interesses bastante objetivo de dois presidentes que sabem que os caminhos de Brasil e Argentina, quando trilhados separadamente, geram problemas que ambos não podem se permitir ter. Além disso, o abandono de Dilma Rousseff às pautas que a elegeram situa os interesses conjunturais da política externa brasileira mais próximos aos do governo que assume em Buenos Aires no próximo 10 de dezembro. Ambos, por exemplo, querem dar solução ao acordo com a União Europeia e parecem dispostos a discutir a flexibilização de regras para firmar acordos comerciais fora do Mercosul e Macri sinaliza abertamente que quer se aproximar da Aliança do Pacífico.
Há que se ponderar os efeitos dessa forma de relação sobre o plano político. A Venezuela, por exemplo, deverá ser um ponto de atrito: Macri confirmou que vai pedir o acionar da cláusula democrática contra Caracas na próxima reunião de cúpula do Mercosul, em dezembro, medida à qual Dilma, até agora, se opõe. Os desencontros de visões de mundo e cursos de ação entre os dois países podem ser tão danosos à saúde do regionalismo como os impasses comerciais que marcaram a última década.

*pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP).