Em 17/01/2016, o Estadão publicou um texto assinado pela revista The Economist que chama a atenção sobre os problemas atuais da economia chinesa, como a desaceleração de seu crescimento, a instabilidade das bolsas de valores e a desvalorização do RMB – Yuan. Para a revista, essa combinação seria drástica e poderia levar à ruína da economia chinesa e, de quebra, da economia mundial. Ainda vaticina que esta crise poderia colocar em xeque a liderança do Partido Comunista, e que o único caminho viável para o país seria abandonar o dirigismo estatal e aderir ao livre mercado.
É fato que a China está enfrentando duros desafios econômicos, mas é também fato que ela tem superado com sucesso os desafios recentes. Por isso, em 40 anos o país atingiu rapidamente o status de economia de renda média e se reorganiza para evitar a armadilha que historicamente atormenta os países que atingiram este patamar. Em linhas gerais, a armadilha da renda média é o que segue: nas fases iniciais da industrialização, o baixo custo da força de trabalho viabiliza um rápido crescimento baseado em baixa e média tecnologias. Quando o país melhora sua renda, passa a perder a vantagem do baixo custo salarial para economias ainda mais pobres, mas, nesse estágio, não desenvolveu capacidades tecnológicas para concorrer com os países de renda alta. Daí ficaria num limbo, como os principais países da América Latina, que atingiram o nível de renda média no final da década de 1970 e aí ficaram estagnados.
Entre 1978 e 2008, o motor do crescimento econômico da China foram as exportações. O ingresso do país na OMC, em 2001, abriu grandes oportunidades para as empresas instaladas no país. Sua produção industrial se integrou às cadeias produtivas globais, tornando o país a “fábrica do mundo”, apresentando crescimento do PIB superior a 10% ao ano. No entanto, a lucratividade das empresas era muito baixa. Para se ter ideia, em 2008, enquanto que um Iphone era vendido em Nova York por US$ 500,00, o valor agregado na China era de apenas US$ 7,00! A crise financeira daquele ano e a recessão que se seguiu levaram à forte contração de importantes mercados, como Estados Unidos e Europa, exaurindo o potencial do modelo exportador.
Já no final de 2008, o motor do desenvolvimento chinês se deslocou para os investimentos em infraestrutura e construção civil, quando o governo central lançou mão de um pacote de US$ 700 bilhões de dólares para ativar a economia frente à queda dos mercados externos. Em 2009, enquanto a economia mundial amargava a contração, a China se expandia. Entre 2009 e 2014 o país cresceu em média 8,8% ao ano, mas apresentava uma evidente desaceleração nas taxas de crescimento. Em 2015, o país cresceu apenas 6,9%, dando mostra do esgotamento do modelo baseado em investimentos.
Apesar de apresentar grandes resultados, como a expansão da rede de linhas de trem de alta velocidade, alcançado mais de 10 mil quilômetros em 2014, o boom da construção civil revelou um dado assustador: em 2015, aproximadamente um bilhão de metros quadrados de área construída estava ociosa, sem compradores!
Por conta da exaustão desse modelo, o 13º Plano Quinquenal da China (2016-2020) tem buscado redirecionar a economia para estimular o mercado interno. Isso vem se dando por meio do aumento do poder de compra da população, da extinção a política de filho único e da flexibilização da migração interna, de uma nova onda de reformas no setor estatal, pelo incentivo à inovação tecnológica e à criação de novas empresas, pela reforma do sistema financeiro e pelo apoio à internacionalização do Yuan. Além disso, tem utilizado de suas vastas reservas apoiar projetos de infraestrutura no exterior como forma de viabilizar a exportação parte de sua capacidade ociosa em indústria pesada e construção civil. Com isso, o governo espera superar a armadilha da renda média e atingir a condição de país próspero em 2021, quando o Partido Comunista completará 100 anos.
É importante considerar uma informação relevante: no caminho para uma economia moderna, a China possui um grande espaço de crescimento em seu setor de serviços. Enquanto que nos países mais ricos este setor atinge mais de 70% do PIB, no país asiático este percentual é de apenas 48%. Com a expansão das camadas médias, que hoje se aproxima de 400 milhões de pessoas, abre-se margem para o desenvolvimento de empresas de serviços pessoais, de lazer e entretenimento, restaurantes, empresas de software, de marketing, etc. A movimentação neste setor já é sentida no Brasil, quando os clubes chineses contratam jogadores de futebol por somas estratosféricas. Como sabemos, o esporte é um negócio muito lucrativo e pertence ao setor de serviços.
A crise está no DNA das economias de mercado, ainda mais no momento de grande crescimento, em que os desequilíbrios surgem por todos os lados. Se no curto prazo há motivos para preocupação, ao se observar o desempenho econômico chinês nas últimas décadas e a maneira como os dirigentes do país têm conseguido levar adiante a estratégia de fortalecimento nacional, o pessimismo logo irá se dissipar, pois com o potencial do mercado interno, o aumento da produtividade e a rápida expansão de empresas de alta tecnologia, a meta de se criar uma sociedade próspera está cada vez mais próxima. Apostar no colapso da economia e do governo chinês, como induz o texto da The Economist, é mais um desejo e do que a expressão da realidade. Continuar crescendo a mais de 6% em meio à recessão global é um feito impar e indica que o país logo conseguirá escapar da armadilha da renda média.
*Professor livre docente de Economia Política Internacional da Unesp, Câmpus de Marília.