A Justiça de São Paulo determinou que o dinheiro de multas arrecadado na capital paulista não pode ser utilizado para custear a estrutura administrativa da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).
A decisão foi tomada na última sexta-feira (15) e atende a um pedido do Ministério Público de São Paulo, que entrou com ação contra o município alegando que o dinheiro das multas de trânsito de São Paulo é usado para outros fins além dos previsto na legislação da cidade e no Código de Trânsito Brasileiro. A lei prevê que a verba deve ser gasta nas ações de sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.
A prefeitura afirma que vai recorrer da decisão por endenter, “assim como todas as gestões anteriores, que as atividades da CET estão contempladas no artigo 320 [do Código de Trânsito Brasileiro]”.
Apesar disso, a administração disse considerar a decisão “salutar”, já que o juiz Luis Felipe Ferrari Bedendi considerou regular o uso do dinheiro das multas para a construção de terminais de ônibus e de vias cicláveis em razão do impacto na fluidez e na segurança do trânsito.
A ação do Ministério Público teve como base uma ação do Tribunal de Contas do Município (TCM) que afirma que os recursos das multas são “majoritariamente destinados ao financiamento das despesas operacionais da CET, classificadas pela própria Prefeitura como despesas de custeio”.
Segundo o juiz Luis Bedendi, da 5ª Vara de Fazenda Pública, essas despesas devem ser pagas pelas receitas correntes [essencialmente aquelas advindas de tributos]. “A manutenção da estrutura administrativa da CET não se constitui em investimento, não podendo, por conseguinte, ser bancada pelo dinheiro arrecadado de multas de trânsito”, afirmou o magistrado em sua decisão.
O promotor Marcelo Milani, que assina a ação juntamente com outros três promotores, disse que a decisão é “uma vitória para a cidade”. “É um dinheiro de destinação vinculada [com fim específico], mas estão usando para pagar salário”, diz.
Em 2014, a Prefeitura de São Paulo aplicou mais de 10,6 milhões de multas aos motoristas, o que destinou quase R$ 900 milhões aos cofres públicos, número recorde até aquele ano. A administração não informou quanto da verba arrecadada com as multas é destinada ao custeio da área administrativa da CET.
Pedido negado
A ação pedia também o ressarcimento de R$ 617 milhões de multas que teriam sido usados de forma irregular e os bloqueios de bens do prefeito Fernando Haddad e de diversos secretários municipais para garantir o ressarcimento. O juiz, porém, considerou não haver provas até a atual fase do processo de que o prefeito ou os secretários municipais tenham agido de forma dolosa ou culposa e não concedeu a decisão solicitada pelo Ministério Público.
O juiz negou ainda outro pedido feito pela Promotoria ao considerar desnecessário obrigar a prefeitura a movimentar o dinheiro das multas a partir apenas de uma conta do Fundo Municipal de Desenvolvimento de Trânsito (FMDT). O fundo é a conta para onde o dinheiro das multas deve ser enviado para a realização das ações previstas em lei, como sinalização de trânsito e engenharia de tráfego.
O promotor Marcelo Milani alegou que a administração faz uma “gincana” e “pedaladas” com o dinheiro entre seis contas. Segundo o juiz Luis Felipe Bedendi, a prefeitura alegou que todo o dinheiro acaba chegando ao FMDT, mas que parte antes passa por outras contas onde é aplicada em fundos de investimentos, e não há provas de prejuízo no uso desse mecanismo.
‘Afronta’
O prefeito criticou em 4 de dezembro a ação do Ministério Público. “Nós entendemos que essa postura afronta o Plano Nacional de Mobilidade Urbana como já aconteceu em outros casos, no caso da ciclovia, da redução da velocidade, da abertura de espaços públicos para a população aos fins de semana”, disse Haddad. “Tudo consta no Plano Nacional de Mobilidade. Então é uma afronta ao Plano Nacional de Mobilidade não utilizar o recurso público para melhorar o transporte público. Não tem o menor sentido isso”, declarou Haddad.
O secretário dos Transportes, Jilmar Tatto, que também é citado na ação, disse se sentir seguro quanto ao uso dos dinheiro arrecadado com multas. “Estamos muito seguros da maneira como estamos aplicando os recursos das multas na cidade de São Paulo. Tanto é que tem melhorado a fluidez e diminuído os acidentes e as mortes”, disse.
“Causa estranheza o fato de nós estarmos usando os mesmos procedimentos dos prefeitos anteriores e dos secretários anteriores. Até então, o promotor não tomou uma medida como essa”, complementou Tatto.
Desde 2010
Marcelo Milani afirmou que há indícios de que as irregularidades em relação à verba das multas existam pelo menos desde 2010. Ele disse que as investigações continuarão e que outros gestores poderão ser alvos de ações.
Ele disse, no entanto, que o prazo de prescrição de cinco anos desse tipo de crime deverá inviabilizar punições a ações cometidas anteriormente. A investigação foi realizada após o uma representação feita ao Ministério Público em agosto de 2015.
O ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) disse que considerar fundamental a atuação do Ministério Público para garantir a ordem jurídica e os interesses da sociedade. Afirmou ainda que todos os atos da gestão seguiram a legislação e, como sempre ocorreu, “coloca-se à disposição para contribuir no que for necessário, em eventuais apurações que venham a ocorrer”.