A sociedade brasileira, ao menos a sua parcela dita esclarecida, há pelo menos umas quatro ou cinco décadas adotou como um axioma inquestionável a ideia de que o jovem, simplesmente por ser jovem, é porta voz de uma verdade essencial que os “maduros”, corrompidos pela civilização, já não querem ver, mas têm a obrigação moral de respeitar e, de certo modo, acatar. A máxima soa-nos tão familiar, tão verdadeira, tão impositiva que, por vezes, nos esquecemos de que no Brasil dos tempos da colônia praticamente não havia lugar para o jovem –– a criança e o adulto são as balizas dessa sociedade –– e de que, entre o século XIX e pelo menos a metade do século XX, a juventude por aqui era entendida simplesmente como uma promessa de futuro, promessa de que o indivíduo, se bem criado, ingressaria no mundo adulto, adotaria os princípios aceitos como virtuosos e daria o seu contributo para o progresso do país. Tudo, pois, muito distante da valorização frenética do discurso da juventude que vemos hoje por aí.

A história certamente não é mestra da vida –– caso contrário, não erraríamos tanto ––, mas tal esquecimento e o culto desmedido do “jovem bom selvagem” que temos presenciado cotidianamente conduzem a uns tantos desatinos, na medida em que levam a sociedade madura a tomar como interlocutor legítimo e qualificado quem, por razões lógicas, ainda não está preparado para o ser.
Há setores da sociedade em que esse culto ao ideário juvenil e a consequente legitimação a priori do argumento do jovem é desastroso, como na Educação, por exemplo. O problema aqui é evidente: parece plausível e traz bons resultados deixar que aqueles que devem ser educados determinem as regras da sua própria educação? Quem ainda não foi plenamente introduzido no mundo da educação formal pode determinar o que deve ser a educação formal? Pelo que se viu na mídia recentemente, a propósito da reforma proposta pela Secretaria de Ensino do Estado de São Paulo, uma parcela significativa de jornalistas e profissionais de ensino –– e indiretamente o próprio governo, que voltou atrás nas medidas que se preparava para adotar –– acha que sim.
É certo que os representantes do Estado agiram como culpados, como burocratas que tramavam algo sórdido às escondidas, sem o propalado diálogo com a população interessada –– conduta ideal para lançar boas iniciativas na lama. É certo, também, que uma chusma de grupelhos de esquerda se aproveitaram a fartar do comportamento suspeito adotado pelos agentes do Estado, envolveram a polícia no conflito, criaram um mercado de vítimas e tiraram a sua casquinha –– que foi boa, a se levar em conta a queda nos índices de aprovação do governador.
Tudo isso, no entanto, se moveu graças ao combustível vindo da simpatia difusa da população à causa dos “jovens estudantes” –– expressão que ganhou uma notoriedade impar nestes tempos de ocupação ––, simpatia embalada pelo culto acrítico à juventude. Houve até quem, numa crise nostálgica de maio 68, sinceramente acreditasse que se estava diante de jovens prontos a oferecer uma alternativa luminosa para os impasses estaduais da educação –– “a imaginação no poder”. Lideranças estudantis foram entrevistadas em todos os lados –– o que, afinal, querem os jovens estudantes contestadores? ––, mas como nada de novo saía dali, nem mesmo uma boa ideia velha (o retorno do latim aos currículos escolares, por exemplo), voltou-se novamente para a exaltação generalista do jovem estudante inconformado, ingênuo mas verdadeiro, a quem o estado opressor negava a voz plena.
E isso –– eis a força do mito –– mesmo depois de se constatar fartamente que, numa temática complexa que escapa à sua competência técnica, os jovens não tinham nada a oferecer ao debate, salvo um amontoado de cacoetes apreendidos com os tais “movimentos sociais” e o desejo infindável de “dialogar” –– um lugar comum do discurso estudantil, do berçário à universidade.

 

*professor de História do Brasil da Unesp de Franca.