Estamos vivendo o momento em que as maiores metrópoles do país já começam a sofrer os graves efeitos de um planejamento urbanístico malfeito ou até mesmo inexistente, com problemas sérios habitacionais, de mobilidade urbana e de infraestrutura, que se agravam cada vez mais, com a sensação de que estamos num beco sem saída. Em regiões menores, essa falha é notável justamente pela ausência de projetos que tornam as cidades mais democráticas e igualitárias. Uma das causas deste problema é exatamente a falta de preocupação de nossos governantes com o desenvolvimento urbano de nossas cidades e regiões metropolitanas, e a não contratação de profissionais capacitados para desenvolverem esses trabalhos. “A felicidade de um povo se mede pela beleza de suas cidades”, já dizia o arquiteto Vilanova Artigas, que ilustra muito bem essa nossa situação.
Como se já não bastasse isso, convivemos ainda com a grave ameaça de que a Medida Provisória 678, que amplia o uso de Regime Diferenciado de Contratação (RDC) para diversas obras públicas, passe a ser regra e não exceção para a contratação de empreendimentos públicos. A referida MP ainda passa por questionamentos em instâncias jurídicas brasileiras. Criado em 2011, o RDC surgiu como alternativa para agilizar os empreendimentos governamentais e serviu para que o governo confiasse às empreiteiras todos os projetos e construção dos estádios de futebol para a realização da Copa do Mundo aqui no Brasil, dispensando a Lei de Licitações 8666/93. Ou seja, a Lei de Licitações, em vigor, que já não era uma situação confortável para a execução de projetos e obras na área da construção civil, se viu numa situação caótica com a perspectiva de ampliação do RDC. O que observamos com isso foram licitações de obras sendo feitas com apresentação de técnicas pra lá de precárias, sem definição clara de prazos e, principalmente, de custos. A falta de um verdadeiro projeto para essas obras resultou, infelizmente, no que já era esperado. Um grande e triste festival de obras superfaturadas, atrasadas e distantes de nossas reais necessidades.
Só um projeto completo garante mais qualidade, maior controle de orçamentos, cumprimento de prazos e ética nas contratações de obras públicas. Um Brasil ético exige projeto completo. Além do que, é bom para as cidades, ótimo para as pessoas, excelente para todos. Precisamos só fazer corretamente. E há meios de reverter esse cenário. Só no Estado de São Paulo, o CAU/SP – Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo tem mais de 55 mil profissionais ativos registrados. Média de um arquiteto e urbanista por quase 1.000 habitantes. Em países desenvolvidos, essa proporção é de um profissional para 2.200 habitantes. No entanto, a realidade lá fora é muito melhor do que a nossa, já que lá eles são ouvidos, e resultam em cidades muito mais bem planejadas ou com problemas urbanos bem menores.
Em pesquisa recente feita pelo CAU/BR, foi constatado que somente 8% da população já teve a colaboração de um arquiteto em suas obras e construções, mas, desses 8%, quase 90% voltariam a contratá-lo, pois reconheceram a qualificação do trabalho apresentado. Nesse sentido, aqui ainda é preciso um árduo trabalho de reconhecimento por parte da classe política e dirigente, e também por parte da sociedade, para a importância da participação do arquiteto e urbanista nas tomadas de decisão das questões urbanas, habitacionais e paisagísticas.
Só assim alcançaremos uma qualificação de nossos ambientes urbanos e de nossas cidades.
*Arquiteto, mestre e doutor pela FAUUSP, é professor da FAU Mackenzie e presidente do CAU/SP – Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo.