Se há um teórico que em nosso meio acadêmico exerce muita influência e que com certeza estimula o individualismo e o niilismo este é Michel Foucault. Subliminarmente, sob a influência de suas ideias, muitos de nossos colegas ditos “progressistas” se sentem constrangidos em agir com alguma racionalidade no sentido de viabilizar um ambiente menos saturado, onde possamos desenvolver nossas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Estes se escudam no filósofo francês, o mesmo que classificou a escola como um dos ambientes de repressão e não de libertação, e onde qualquer tipo autoridade deve ser combatido.
Suas ideias estão por detrás da celebre frase “É proibido proibir”, pichada nos muros de Paris pelos filhos entediados da burguesia francesa, que ao invés de contribuir para a construção de um mundo mais decente, acabou por nos legar o individualismo e o cinismo que caracterizam a sociedade atual. É este individualismo que dá respaldo ao neoliberalismo, que está longe de ser apenas uma agenda econômica e se tornou um novo ethos da sociedade contemporânea. Os comunards de 1968, assim como os hippies de Woodstock, se transformaram na base social do neoliberalismo, elegendo Charles de Gaulle, já em 1969, e Ronald Reagan, em 1980.
O individualismo niilista, nas palavras do próprio Foucault, é radicalmente oposto ao humanismo e a todas as promessas Iluministas como a que postula que o conhecimento liberta os seres humanos e os tornam melhores. Cito o filósofo francês:
“Salvar o homem, redescobrir o homem no homem, etc., é o fim de todas essas tentativas palavrosas, a um tempo teóricas e práticas, para reconciliar, por exemplo, Marx e Teillard de Chardin (tentativas saturadas de humanismo que têm esterilizado desde há anos todo o trabalho intelectual…). A nossa tarefa é a de nos libertarmos definitivamente do humanismo, e é nesse sentido que o nosso trabalho é um trabalho político, na medida que os regimes do Leste e do Oeste fazem passar a sua mercadoria sob a bandeira do humanismo.”
Se a universidade é o locus privilegiado do humanismo, como podemos conciliar tal assertiva com a posição dos arautos do individualismo niilista inspirados em Foucault, que apenas enxergam em nossa prática profissional a reprodução daquilo que há de pior na sociedade, e não o espaço para a reflexão que pode de alguma maneira contribuir para a superação da ignorância, da violência, da miséria e do subdesenvolvimento?
O impasse em que estamos metidos não é apenas entre quem deseja ou não uma solução para a violência simbólica representada pela ocupação e privatização do espaço público ou ainda na coação dos “trancaços” que paralisam a universidade. É, fundamentalmente, a luta entre diferentes concepções de universidade. Alguns, supostamente em nome dos pobres, tratam de inviabilizar e de desmoralizar a universidade que ainda é um dos poucos caminhos honestos onde os pobres podem encontram os meios para superar as dificuldades estruturais das quais são vítimas. Sem conhecimento, sem leitura e sem estudo, como as pessoas poderão mudar a própria vida e o meio que as cercam? Enquanto que a escola pública e a universidade pública são esculachadas, os filhos das elites vão para escolas ditas “sérias”, organizadas e “tradicionais”, onde recebem o conhecimento para continuarem a dominar as massas incultas.
Creio que nossos colegas proselitistas de uma suposta esquerda deixaram de captar o verdadeiro sentido do embate que estamos envoltos, isto é, se esses proselitistas que dizem professar certo tipo marxismo ainda defendem as teses humanistas da Teoria da Praxis.
Conforme afirma conhecido autor italiano: Cultura […] é a organização, a disciplina do eu interior; toma posse de sua personalidade e leva à realização de uma consciência mais elevada, para que você possa entender o seu valor histórico, sua função na vida, seus direitos, seus deveres. (Gramsci. da Socialismo e cultura, Il Grido del popolo, 29 gennaio 1916) (tradução livre, MCP)
É preciso revalorizar o humanismo. É preciso revalorizar a Universidade. É preciso revalorizar a cultura! Sem organização, disciplina e determinação não se conquista uma consciência superior. Estas posturas vão em sentido oposto ao neoliberalismo, marcado pelo individualismo, superficialidade, imbecilidade e artificialidade, tal como vemos em nosso meio acadêmico.
Por fim, um lamento: enquanto estamos envoltos numa situação bizarra, em que se mostram a covardia e o cinismo e o total deslocamento da realidade, no mundo real vemos a emergência de um novo fascismo e do anti-humanismo em sua face mais perversa. Estamos à beira de um grande retrocesso e pouco vemos a universidade debater essa possibilidade. Creiam, num regime que pode nascer do autoritarismo, da mentira e da manipulação, não haverá espaço para titubeios, infelizmente!
Ou a universidade resgata o humanismo ou o irracionalismo destrói a universidade.
*Professor livre docente de Economia Política Internacional da Unesp, Câmpus de Marília.