Numa tradição iniciada em 1962, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) propõe, a cada ano, tema de relevância social, existencial e religiosa para a reflexão quaresmal dos católicos. Desta vez, como em outras três anteriores (2000, 2005 e 2010), o apelo vem da CNBB e de diversos outros representantes de denominações cristãs, por se tratar de problemática cuja amplitude vai além dos portais de qualquer religião. A preocupação é com a Casa Comum, o maravilhoso planeta que nos abriga e com a preservação das energias necessária para a manutenção da vida presente e futura.

O texto base e as sugestões de reflexão evitam a generalidade do discurso conservacionista planetário e trata um tema específico dentro do qual cada um deve fazer sua própria reflexão: o saneamento básico. Como o próprio nome indica, trata-se do básico da limpeza pública e particular necessário para a saúde e qualidade de vida das pessoas.
Quando se fala na preservação da Casa Comum, em geral, pensamos nos grandes temas internacionais e planetários: o aquecimento global, o aumento excessivo da população mundial, a emissão de gás carbônico, o nível dos mares, o crescimento dos desertos, entre outros. Quando tratamos tais temas, a grandiosidade dos problemas parece tornar insignificante o papel dos indivíduos.
De outro lado, muito se fala, e com razão, das responsabilidades dos Estados e seus governos por políticas e regras adequadas para o bom aproveitamento das energias e riquezas, sua justa distribuição e a preservação da vida com qualidade. Muitos encontros de nações e pactos internacionais foram realizados nos últimos anos com o objetivo de melhorar as condições de vida presente e futura. De fato, cabe aos governos o desenvolvimento de políticas públicas de saneamento para assegurar saúde e qualidade de vida a todos.
Porém, quando o tema desce para o cotidiano do saneamento veremos que as responsabilidades são verticais, isto é, dos Estados e seus governos, mas, também, horizontais, de cada cidadão com respeito a si mesmo e aos outros.
Cabe às políticas públicas cuidar da qualidade dos serviços públicos de abastecimento de água, do manejo adequado dos esgotos sanitários, das águas pluviais, dos resíduos sólidos, do controle dos reservatórios e dos agentes transmissores de doenças.
Trata-se, portanto, de saneamento, ao mesmo tempo, básico e ambiental, em vista de se garantir uma sociedade mais justa e mais saudável para todos. A garantia de vida longa com saúde encontra-se entre as coisas essenciais para os seres humanos.
Na dimensão horizontal, para a produção de efeitos positivos das políticas de saneamento exige-se que cada cidadão assuma suas responsabilidades. Especialmente os cristãos! O cristianismo surgiu sobre as bases do judaísmo, sendo uma das três grandes religiões abraâmicas. Nesta origem, o elemento sanitário se confunde com a própria vivência religiosa. O homem religioso é limpo na alma, nas relações sociais e éticas, mas também na higiene pessoal e comunitária, sendo esta importante fonte de saneamento público. A higiene e os cuidados pessoais refletem de modo direto na eficácia das políticas públicas de saneamento básico. Assim, do mesmo modo como o homem de fé não faz o mal a seu semelhante, também não joga papel de bala no chão, não deixa a torneira ligada além do necessário, evita as condições para a reprodução de vetores de doenças infecciosas (afinal, isto também é fazer o mal ao semelhante).
Apesar de reconhecer a importância e a grandeza dos temas ambientais planetários, podemos fazer o mundo mais limpo e economizar energias vitais, controlando as torneiras de casa, as luzes e aparelhos elétricos, produzindo menos lixo (cada brasileiro produz um quilo de lixo sólido por dia), limpando os quintais, enfim, evitando todo e qualquer tipo de poluição. Podemos zelar para não haver acúmulos de água, sujeiras nas ruas, entupimento de bueiros. Em tempo de conversão convém cada um de nós pensarmos qual contribuição está trazendo para o ambiente mais saudável e sustentável.
O saneamento básico está entre os instrumentos de garantia do direito fundamental de todos às condições básicas de saúde. Então, de um lado, precisamos exigir políticas públicas asseguradoras do saneamento básico de qualidade; de outro, cada cidadão precisa fazer sua parte mantendo limpo aquilo que depende dele. Afinal, como propõe o lema da Campanha da Fraternidade, se queremos “ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Amós 5,24) precisamos assumir a nossa responsabilidade em cuidar da Casa Comum.

*Advogado; professor da Faculdade Reges de Dracena; doutorando em Direito pela ITE-Bauru.