André Rehbein Sathler*
Valdemir Pires**
Norbert Elias considerava o ato de recolher impostos um roubo legalizado. Inspirou-se, para a construção de seu oxímoro, no fato de que o imposto representa a apropriação de um bem privado por um terceiro, sem contrapartida ou garantia dela. O termo antagonista – legalizado – deve-se ao fato de que esse terceiro é o Estado, que detém o monopólio do exercício aceito da violência. Do ponto de vista da sociedade, os impostos são, portanto, o consentimento ao roubo. Não há assaltados felizes, apenas resignados e satisfeitos quando a situação não evolui para o latrocínio.
Do lado dos ladrões tampouco há contentes. A atrofia do pacto federativo nacional e a monstruosidade do cipoal normativo referente às obrigações fiscais somam-se para acirrar a sanha arrecadadora de cada um dos entes federados. Municípios, estados e a União disputam a tapa a distribuição dos fundos de participação, enquanto sorrateiramente buscam ampliar de qualquer forma o que pode ir diretamente para os seus bolsos. Amaldiçoadamente, em um contexto de deterioração econômica, o fantasma de Laffer se impõe e o aumento dos impostos acaba resultando na diminuição do butim.
A obstinação com o aumento da arrecadação, contudo, tem raízes solidamente firmadas na gigantesca inelasticidade do gasto público. Em um país que teve Estado antes de ter sociedade, o custeio, sobretudo as despesas com pessoal da ativa e inativos, trava qualquer discussão séria sobre redução de despesas. E o Estado se vê refém de uma tautologia: a única alternativa é aumentar a arrecadação porque não há alternativa.
Toda obsessão é a fixação com uma parte, perdendo-se a visão geral. Por isso, não se discute, sequer se pensa, a questão do suprimento dos bens comuns, justificativa da teoria econômica para a existência do Estado e sua competência para recolher impostos. Governos existem porque as pessoas não são honestas e hábeis o suficiente para identificar aquilo de que necessitam e usufruem coletivamente, contribuindo na justa proporção de seu usufruto. Quais são os bens comuns indispensáveis, como devem ser supridos, a que custo e a que preço? É, percebe-se, uma discussão que transcende o duelo liberalismo versus estatismo, e aponta, antes, para o realismo, em que liberdade e intervenção coexistem.
O roubo legalizado é possível por conta do monopólio da violência. Até aqui, a população seguiu a orientação policial padrão para esses casos: não reaja. Mas a história mostra que quando o Estado erra a mão na cobrança de impostos (Colbert que o diga!), a reação nem sempre é a resignação ou mesmo a brecha arriscada da sonegação. É a coesão social que se está colocando em risco.
*Economista, doutor em Filosofia e coordenador do Mestrado Profissional em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados.
**Economista, professor e pesquisador do Departamento de Administração Pública da Unesp.