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Em coluna publicada no Jornal Folha de S.Paulo, intitulada “É para isso que ele existe”, o diplomata e escritor Alexandre Vidal Porto se soma a um conjunto de vozes críticas à política externa que vem da diplomacia, como Paulo Roberto de Almeida, Rubens Ricupero e Rubens Barbosa.
Neste caso, o diplomata ressalta a forma com a qual o Itamaraty teria sido tratado pelos governos petistas, em especial o de Dilma Rousseff. Trata-se de uma das críticas mais frequentes à política externa dos últimos doze anos: a de que teria sido dispensado ao Itamaraty um tratamento discriminatório, retirando do ministério as rédeas da condução da política externa e impondo uma perda de importância e prestígio a um órgão cioso de sua trajetória como nenhum outro.
De fato, os diplomatas brasileiros são mundialmente reconhecidos pela competência com a qual desempenham seu ofício, seja representando o Brasil ou trabalhando em organismos internacionais. Todos os anos, legiões de brasileiros, da mais alta qualificação, ingressam nas fileiras dos aspirantes a uma vaga no Instituto Rio Branco, a escola da diplomacia brasileira. O concurso de admissão à carreira diplomática, embora esteja longe de ser o que oferece a melhor remuneração, é um dos mais disputados do país, em parte pelo prestígio que integrar a “Casa do Barão”.
No texto, o diplomata saúda o fato de que a diplomacia esteja voltando “aos poucos, às mãos de quem tem conhecimento específico para conduzi-la” e que o Itamaraty, “um quadro político adverso a seus predadores, readquire autocontrole”.
Uma trajetória brilhante, impecável em atender aos interesses dos poderes efetivamente estabelecidos, prestígio internacional e o elevado grau de competência de seus quadros, contudo, não confere ao Itamaraty qualquer legitimidade para definir os rumos da política externa.
Numa democracia, não cabe que instituições sejam senhoras de seus rumos. No caso da política externa, sua condução é competência do executivo federal, centrada nas figuras do presidente e do ministro de Estado das Relações Exteriores. O controle democrático é evidente, deve existir e há instâncias para isso, como as Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional das duas casas do Congresso.
É claro que isso não implica dizer que os diplomatas devem ser excluídos do processo decisório. Sua experiência, a memória institucional do ministério, e as impressões de quem convive com o dia a dia da política internacional são certamente um valioso aporte para a tomada de decisão. Desde que sejam exatamente isso: um aporte a ser considerado pelo tomador de decisão cabível.
O papel do diplomata, como do soldado, é o de execução de uma diretriz política emanada de quem tem legitimidade para tal. Em nosso sistema político, essa legitimidade advém de uma única fonte: a vontade popular expressa no voto. Os diplomatas não chegaram ao Itamaraty através de eleições, mas sim de concurso público, que denota sua competência técnica, mas não confere nenhuma legitimidade política.
É evidente que, segundo esta lógica, os eventuais erros cometidos pela política externa devem ser computados ao governo, e não ao Itamaraty. Se o Brasil teve, nos últimos anos, uma política externa cabisbaixa, isso é fruto da direção política – ou falta dela – dada pelo Planalto e não porque os diplomatas ficaram subitamente incompetentes. Igualmente, não cabe endossar nenhum dos absurdos impostos às representações do país no exterior e aos seus funcionários pelos cortes orçamentários. Tudo isso, porém deve ser computado na conta da Presidência, cujo julgamento dar-se-á em 2018, quando das próximas eleições.
Até lá, seria saudável manter “cada um no seu quadrado” como destacou Alexandre Vidal Porto. Nossa política externa atual pode ser ruim, em geral é, mas não é ilegítima como seria se coubesse a uma burocracia a decisão sobre as formas e os caminhos a serem percorridos pelo país no exterior.
*pesquisador do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (PUC-SP, Unesp e Unicamp) e integra o Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional da Unesp.
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