Hoje quero falar um pouco sobre a cirurgia bariátrica e o atendimento psicológico.
A obesidade é classificada pela Organização Mundial de Saúde como uma doença epidêmica, crônica, dispendiosa, multifatorial e com morbidades e mortalidade elevadas.
A cirurgia bariátrica é um procedimento indicado para pacientes com IMC acima de 35 kg/m², que tenham complicações como apneia do sono, hipertensão arterial, diabetes, aumento de gorduras no sangue, problemas articulares, ou pacientes com IMC maior que 40 kg/m², que não tenham obtido sucesso na perda de peso com outros tratamentos.
Além do médico cirurgião, o Conselho Federal de Medicina indica outros profissionais que devem fazer parte da equipe multidisciplinar de acompanhamento, dentre eles um psicólogo.
Existem dois momentos de atuação do profissional psicólogo: no pré e no pós-operatório. Por quê?
São vários os motivos. Em resumo, os pareceres e laudos psicológicos precisam comprovar a necessidade de tais intervenções e para a segurança do procedimento é indispensável.
Os laudos avaliam se o paciente está saudável psiquicamente para enfrentar as mudanças que vai vivenciar como resultado de sua escolha.
Os profissionais, por sua vez, devem estar atentos para a ausência de uso de substâncias, bem como de quadros psicóticos ou demenciais entre outros fatores. Também são esses profissionais os responsáveis por certificar que o paciente possui nível intelectual e cognitivo adequado de compreensão acerca dos riscos da operação e cuidados inerentes a esse procedimento no período do pós-operatório imediato e em longo prazo.
Obesidade e compulsão alimentar podem ter relação causal na qual o comportamento compulsivo é o agente causador ou facilitador da obesidade, assim como a gravidade da compulsão também parece estar relacionada com o grau de obesidade.
Na cirurgia bariátrica, em que existe redução do estômago, cria-se um componente restritivo no qual a quantidade de alimentos ingerida é intensamente diminuída, levando a perda de peso duradoura. A limitação imposta pela operação pode representar grande risco aos pacientes compulsivos, tornando-se difícil a adaptação à nova condição alimentar. Desde muito cedo, esses pacientes aprendem a engolir medo, ressentimentos e a conter as emoções com comida, estabelecendo padrão de reação aos conflitos baseado na alimentação, ou seja, fica ansioso, come; triste, come; com medo, come, etc.
É importante que o paciente entenda que a cirurgia vai reduzir seu estômago, mas não sua impulsividade, sua compulsão, seu desejo. Sua maneira de pensar, sentir e a agir não são alterados com a cirurgia. A perda de peso se faz pela redução da ingestão de alimentos, portanto a expectativa de um corpo magro no dia seguinte da cirurgia bariátrica é irreal.
É muito comum ouvir dos pacientes que estavam “despreparados”, sentem-se arrependidos, estão deprimidos. O que ocorre na maioria das vezes é que o quadro depressivo já existia, apenas se intensificou. O caminho para a bariátrica é de persistência, cuidado, às vezes muito angustiante. Não existe mágica, é um processo de mudança que se constrói a cada dia.
Enfim, se as causas que levaram a obesidade não forem tratadas, elas permanecerão, a cirurgia bariátrica não será solução, o problema pode migrar para outras escolhas. A compulsão por comida pode se “transformar” em compulsão por compras, por exemplo. Essa descompensação tem até nome: síndrome da deficiência de recompensa (em inglês rewards deficiency syndrome). O fato foi demonstrado em alguns estudos genéticos e de neurotransmissores cerebrais, como a dopamina. O psicólogo poderá ajudar na identificação de uma nova fonte de prazer mais saudável, ou no controle da situação com técnicas específicas, minimizando assim os transtornos emocionais e conflitos pessoais.
A avaliação psicológica visa estabelecer o quanto esta pessoa está preparada tanto para este procedimento assim como para todo o processo necessário pós-cirurgia, pois ela enfrentará dificuldades reais que podem interferir na qualidade de vida, nos aspectos físico, psíquico e social.
Gosto de pensar na questão social, por exemplo, o quanto a cirurgia poderá influenciar na mudança de hábitos do paciente, alguém que está habituado a conviver em festas, em bares, em reuniões sociais seria capaz de viver fora deste contexto? Ele (a) está preparada (o) para desenvolver novas habilidades sociais? Tem recursos para isso? Já se imaginou neste contexto? Seu meio a possibilita essa mudança? Seus familiares e amigos contribuem para o seu sucesso? Tem capacidade de enfrentamento?
Outra questão que se aponta é que a pessoa que foi obesa por toda uma vida, ou conviveu com a obesidade por alguns anos, muitas vezes vem de um histórico de preconceitos e limitações. Medo, insegurança e vergonha antes resultavam em relacionamentos fechados ou com restrição para a vida amorosa e sexual. Toda a mudança em sua nova vida exige que a outra parte esteja disposta a se adaptar, caso contrário sua vida amorosa poderá ser impactada, não em vão ouve-se a queixas de companheiros que preferiam a mulher gorda. Questão que fica: operou por quem?
Questões emocionais, portanto, estarão sempre envolvidas com a obesidade, com a cirurgia e com o pós-cirúrgico, causando ansiedade ou depressão. É preciso se fortalecer e este processo é gradativo, pois no mesmo indivíduo existe um corpo que se enfraquece pela brusca redução alimentar e é preciso uma cabeça que se fortaleça, rumo às suas metas planejadas.
Hoje, psicólogos associados a COESAS – Comissão das Especialidades Associadas, da SBCBM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica) criaram um protocolo que foi estruturado em três fases: pré-operatória, transoperatória e internação e pós-operatória e follow-up. Em cada etapa, as profissionais detectaram os principais objetivos a serem alcançados para que o paciente tenha total adesão ao tratamento e as metodologias e intervenções que devem ser aplicadas da maneira que tanto o paciente quanto os familiares respondam positivamente a cada fase, contribuindo com o êxito da cirurgia. Esses profissionais estão espalhados pelo Brasil, com uma leitura bastante “coesa” sobre o assunto.
Portanto, aqueles que desejam passar por esse processo podem fazê-lo de forma consciente, os recursos existem, é preciso saber usá-los.
“A cirurgia de redução de estômago não vai mudar a sua vida”, diz o cirurgião americano Garth Davis, do Hospital Metodista em Houston, no Texas. “Mas se você quer mudar a sua vida, a cirurgia pode ajudá-lo”.
Mudar, todos sabem que não é fácil, mas mudança de pensamento proporciona mudança de sentimento e de comportamento frente a uma mesma situação. Enfim, como diria Sêneca, o filósofo romano: “Perguntas-me qual foi o meu progresso? Comecei a ser amigo de mim mesmo”.
*Psicóloga – Professora do Curso de Psicologia da UNIFADRA