Desde o abandono das cavernas e mesmo dentro delas ou de uma para a outra, os homens têm como característica a busca pela mobilidade. A mobilidade humana é tão importante que, em algumas civilizações antigas, quem nascia com problemas que atrapalharia a mobilidade do grupo era sacrificado, ou quando idoso ou adoecia e tornava-se um peso atrasando a mobilidade do grupo era abandonado. Dessa forma, a mobilidade era considerada algo que poderia manter ou não a sobrevivência do grupo.
Todavia com o passar dos tempos e as mudanças tecnológicas e sociais, a questão da mobilidade humana passou a ser tratada apenas como fluxo de mão-de-obra mercantilista a ser acolhida ou recusada em função de interesses meramente econômicos e financeiros. Essa modificação do significado da mobilidade do ser humano, a simples mercadoria é algo degradante e detestável, pois os seres humanos passam a ser comparados a produtos que em igual condição também dependem dos fluxos de transporte e de armazéns para serem depositados. Assim, o não pertencimento à sociedade de consumo transforma os seres humanos, sejam homens, mulheres, crianças e idosos em excedente populacional, sobrantes e ‘descartáveis’.
Os caminhos feitos por essa massa de migrantes criam, na maioria das vezes, inquietações, angústias e aflições nos chefes de Estado e na população. Isto porque os migrantes são vistos ou recebidos como ameaça para a estabilidade econômica, para o mercado de trabalho, para o uso e oferta dos serviços públicos e além de serem vistos como responsáveis pelo aumento da violência. Com isso, aumenta a xenofobia e os conflitos étnicos e sociais, tanto por parte de quem nega o direito, quanto de quem exige.
Por isso, devido a sustentação desta visão desvirtuada, os governos ou a própria sociedade se tornam ainda mais taxativos quanto a entrada de estrangeiros e adotam como antídoto ou solução, o estabelecimento de mais ressalvas e medidas restritivas, com mais decretos e leis, achando que descobriram a forma de resolver a questão migratória, vista como problema. Contudo, o problema não está somente na massa de refugiados ou migrantes econômicos, mas sim (o problema principal) está no lugar onde o indivíduo morava, aquele lugar onde o migrante ou o exilado tinha o sentimento de pertencimento, mas que por problemas políticos, religiosos ou econômicos apresentam guerras e massacres tribais por parte de governos ditatoriais ou chefes religiosos radicais e fanáticos, além da proliferação de exércitos de guerrilheiros ou gangues de criminosos e traficantes de drogas e armas posando de defensores da liberdade, ocupados em dizimar as fileiras uns dos outros, mas absorvendo e, no devido tempo, aniquilando nesse processo o excedente populacional principalmente de jovens, que não conseguem empregos e perdem as perspectivas. Dessa forma, centenas de milhares de pessoas, às vezes milhões, são escorraçadas de seus lares, assassinadas ou forçadas a buscar a sobrevivência fora das fronteiras de seu país, perdendo tudo, não só o tudo material, mas principalmente o sentimento de pertencimento a um lugar que era considerado o seu espaço de vida e de sentimento de posse. A perda é tamanha que o único bem que lhe sobra é a vida e a esperança de existir outro lugar que possa lhe receber e, aos poucos ir lhe devolvendo a dignidade perdida, mesmo que esse novo lugar não tenha nenhuma relação com a sua cultura, não fale a sua língua ou ainda não tenha a violência do lugar de onde saiu para tenha a xenofobia que dá ao migrante o sentimento de não ser considerado humanamente igual. Assim, olhar para o fenômeno da mobilidade, seja ela de migrantes ou exilados, não significa mostrar de algo que pode ser visto do mesmo jeito, por qualquer indivíduo. Nesse processo entram em cena não apenas fatores lógicos e racionais, mas também afetivos, emocionais, comportamentais e culturais.
Todavia, se a ONU tem como base de sustentação a defesa dos direitos fundamentais do ser humano, como garantir a paz mundial, colocando-se contra qualquer tipo de conflito armado, além de buscar mecanismos que promovam o progresso social das nações e criar condições que mantenham a justiça e o direito internacional, é inadmissível aceitar por parte de algumas nações e governos a aplicação de leis e decretos ou de ações que dificultem ainda mais a vida de humanos em mobilidade, pois se os migrantes econômicos e refugiados do século XXI são considerados “problemas” por chefes de Estado e parte da sociedade, e ainda, se eles migram devido às crises econômicas e às desigualdades sociais, as guerras e as guerrilhas, o mundo não pode ficar indiferente às mazelas que passam famílias no mundo, pois o mesmo direito fundamental que a ONU defende para os cidadãos da Terra do norte rico deve ser aplicado no mesmo nível para os cidadãos da Terra do sul pobre.
*Professor mestre em Geografia e Estudos Sociais do Colégio Objetivo de Dracena.