O país entrou de cabeça na pauta da moralização da política. Entrou torto, mas entrou. Agora, algum suco vai ter que sair desse espremedor. Não sou ligado a nenhum partido político, mas faço aqui uma reflexão sobre as ações da Lava Jato. A atuação da Polícia Federal, Ministério Público e da justiça como um todo já contribuíram para mudar a visão de impunidade que permeia nosso sistema político e a nossa cultura. Sem dúvida, é um marco.
No entanto, se vamos fazer mesmo esse suco, temos que fazer direito. Já dizia meu primeiro chefe quando comecei minha carreira: “é preciso ser honesto e parecer honesto. São duas coisas diferentes, e uma só sem a outra não adianta”. Muitos estão questionando a legalidade da condução coercitiva a que foi submetido o ex-presidente Lula.
A mim parece lícito que um juiz a decrete, mas cabe uma boa reflexão. A escravidão era legal. O apartheid era legal. Até a ditadura era legal. Muitas coisas são legais, e nem por isso estão corretas. O juiz, evidentemente, precisa ter o direito de decretar a condução coercitiva de alguém: é uma ferramenta necessária para o exercício do seu ofício. Mas, no estado de direito, quanto mais forte é a ferramenta, mais ela precisa ser utilizada com cautela.
O judiciário não está acima de qualquer suspeita: ele deve satisfação à sociedade, e há cuidados que precisam ser tomados. É lícito que o Dr. Moro seja o grande maestro da Lava Jato, mas pergunto: é prudente? Um juiz cujo pai foi fundador do principal partido de oposição ao governo, que recebeu distinções da “Isto É”, “Veja” e “Globo” – todos veículos com viés contrário ao governo –, cuja esposa trabalhou como assessora junto ao principal partido da oposição ao governo.
Dos 16.000 juízes do Brasil, seria esse o juiz ideal para conduzir com imparcialidade esse processo? Está descartado todo e qualquer conflito de interesses? Não causa estranheza que esses mesmos veículos consigam repetidamente acesso aos arquivos internos da Lava Jato, e que ninguém decrete a mesma condução coercitiva dos proprietários desses veículos a fim de descobrir qual a fonte dos vazamentos? Por que o esperado processo de limpeza do país está restrito a um único partido, mesmo com tantos caciques de diversos partidos citados nos autos e com a percepção pública de que a corrupção é generalizada?
Dr. Moro: cabe ao senhor provar à opinião pública a imparcialidade da Lava Jato apurando políticos de todos os partidos citados na operação com isonomia de tratamento. E, por favor, não me venha com algum lambari. Estou falando dos peixes grandes. Todos. Não é possível passar um país a limpo sob a sombra de uma justiça seletiva. É pouco demais perto do que o país espera e precisa. Não basta ser honesto. Tem que parecer honesto.
A expansão da operação Lava Jato – ou mais especificamente a falta dela – é o divisor de águas que separa a mais audaciosa operação da justiça brasileira da investigação mais direcionada e parcial da nossa história política. A credibilidade do judiciário brasileiro está em cheque, o que é algo muito, muito arriscado nesse momento. O uso político da pauta da corrupção é também uma forma de corrupção e é incompatível com a mudança real que se quer. O país anda cansado disso. O senhor tem a faca e o espremedor na mão. Vai fazer o suco, ou vai dizer para os clientes que acabou?
*Engenheiro e professor Livre-Docente da Unesp, Campus de Sorocaba.