Esta semana, na Sexta-Feira Santa, os católicos lembrarão Jesus crucificado entre dois malfeitores popularmente chamados de ladrões. Trata-se da alusão à profunda contradição entre aquele que viveu para servir sempre procurando oferecer algo bom às pessoas e aqueles que vivem para se servir das pessoas explorando-as direta e indiretamente com a finalidade de enriquecimento ou vantagens. O evangelho apócrifo de Nicodemos os chama de Dimas e Gestas.

Além da interpretação acima e de muitas outras lições que a riqueza do texto bíblico oferece, é possível, diante da crise política e moral vivida atualmente no Brasil, fazer outra interpretação considerando a fala de Jesus a Dimas: “ainda hoje estarás comigo no Paraíso”. Por causa destas palavras o malfeitor passou a ser reconhecido pela tradição como o “Bom Ladrão” ganhando o grau de santo: São Dimas.
O Brasil saiu da monarquia, em 1889, para se constituir em República. O termo república traduz o grego Politeia (Πολιτεία) com a construção latina res-publica (coisa pública). O termo grego enfatiza a polis como lugar no qual convivem muitas pessoas e o latino destaca a necessidade de se reconhecer na organização política um espaço e coisas, inclusive, erário, pertencentes ao público. Talvez, a mais clara tradução para ambos seja o português comunidade.
Assim, os edis e os gestores não podem tratar a coisa comum como se própria fosse. Acontece que o Brasil pulou da condição de uma estrutura feudal tardia diretamente para o reconhecimento da República sem passar por nenhuma transformação radical. Em consequência, em geral, os homens públicos e as pessoas do povo continuaram tratando a coisa pública como se fosse particular. Ainda hoje, muitos governantes com seus séquitos, eleitos ou não, acabam confundindo os bens públicos como particulares. E, até poucas décadas atrás sequer era crime a apropriação ou o uso das coisas e da máquina pública como se pertencessem àqueles que estão no poder com a simples finalidade de administrar, ou de legislar, em favor da comunidade da qual ele é parte constitutiva.
Retrato disto foi a delação do ainda senador Delcídio Amaral que apontou 74 nomes dos mais variados partidos e regiões do Brasil. Outro grave sinal é a composição da comissão do impeachment; dos 65 membros escolhidos 40 receberam financiamento de campanha das empresas envolvidas na operação Lava Jato. Além disto, 30 deles respondem inquéritos ou ações penais no STF por diversos crimes cujo resultado acaba sendo o enriquecimento pessoal ilícito ou obtenção de vantagens. Assustadora é a afirmação na delação do fiscal de renda do Paraná Luiz Antônio de Souza, na Operação Publicano: “A corrupção na Receita é institucionalizada. Não é um ou dois. É de 80% a 90% da Receita.” Ainda mais, a documentação apreendida na Odebrecht lista mais de 200 políticos da situação e da oposição beneficiários de seu propinoduto.
Como numa grande partida de futebol a nação se divide entre torcedores do bom ladrão acusando os adversários de mau ladrão. A questão é que cada lado acha que tem a proteção de São Dimas. Primeiro cabe lembrar que quase todos, por enquanto, são acusados e os acusados em nosso ordenamento, enquanto não houver prova em contrário, são inocentes. Depois entristece ver a torcida elogiando o árbitro quando erra ao seu favor e xingando a mãe dele quando marca o pênalti legítimo contra seu time. E se justifica: “se é pelo bem de todos e a felicidade geral da nação” está tudo bem. De Dom Pedro e o Dia do Fico até nossos dias o povo é quem paga a conta.
Entendamos as palavras de Jesus a Dimas como a afirmação de que sempre é possível mudar de vida e não como uma apologia à malfeitoria. Ele ganhará o paraíso por reconhecer seus erros e defender Jesus. Ele não é o bom ladrão, mas o arrependido. Enquanto ficarmos torcendo para que um malfeitor derrote o outro em nome do bem de todos faltará fundamento para a república e, em consequência, será inviável a democracia.
O momento histórico demanda radical investigação e julgamento dos malfeitores públicos para que a nação inteira, os contra e os a favor, não acabe crucificada pelas consequências políticas, econômicas e sociais da atual crise. Não somos adversários quando o que está em jogo são os bens públicos; somos todos guardiões e fiscais do patrimônio pertencente à República Federativa do Brasil e combatentes dos malfeitores, sejam os da esquerda ou os da direita de Jesus. Este magnífico País não pode permanecer para sempre como a República do Bom Ladrão.

*Professor da Faculdade REGES de Dracena, mestre em Direito (Teoria do Direito e do Estado) pela UNIVEM (Marília); doutorando em Direito (Sistema Constitucional de Garantia de Direitos) pela ITE-Bauru.