Durante a infância, no quintal da casa onde foi criado havia um jardim do qual era zelador. Quantas flores bonitas e perfumadas cresciam aos cuidados daquele menino. Ali se produziam rosas, jasmins, dália, girassóis; muitas flores conhecidas e ervas anônimas espalhavam-se sobre a terra preparada para a vida. Entre todas, destacavam-se as margaridas. Os olhos de menino viam as atrevidas flores de pescoço comprido como um pequeno sol cheio de pétalas brancas exalando perfume, ao invés de emitir luz. Com igual interesse e inexplicável curiosidade acompanhava a vida de cada uma delas desde o desabrochar até, num final de dia, quando o vento soprava forte e as pétalas enfraquecidas se desprendiam e voavam para longe deixando nos ramos os pequenos sóis desprotegidos e entregues à morte.

O sol teve pétala? O menino se perguntava. Foi pequeno como a margarida e, crescendo cada vez mais, perdendo as pétalas se lançou no espaço em forma de disco luminoso? Se não tivesse perdido as pétalas… imaginava… como deveria ser maravilhoso ver uma margarida gigante cruzando o azul infinito. Então, começou a juntar as pétalas caídas e guardá-las com muito carinho para, um dia, quando o sol ainda estivesse encostado na terra, correr até o horizonte e recolocá-las ao seu redor, tornando-o a maior e a mais bela das margaridas. Em cada pétala, um sonho!
Veio o primeiro dia, correu perdidamente em direção ao nascente, quando chegou o sol já ia distante voando no céu. A cada aurora e ocaso perdia-se em prantos vendo o sol fugir de seu alcance. Fez isto até o dia em que um adulto lhe explicou que o sol nunca teve pétalas e que estas foram feitas para as margaridas. Quando foi à escola, as lições lhe mostraram a boa ordem de todas as coisas. Na catequese aprendeu a organização natural realizada por Deus, tudo no lugar certo: o sol no céu, a terra na terra, a água no mar, as flores nas flores, os espinhos nos espinheiros, as pétalas nas margaridas e a luz no sol. No mundo do trabalho e da natureza lhe ensinaram que os fortes cruzam céus e os fracos carregam cruzes na terra.
Quanto chorou! Escutava a todos em silêncio e com os bolsos cheios de pétalas para pendurá-las no sol. No entanto, foi convencido da impossibilidade de tudo ser como queria. Existem coisas desejadas, mas impedidas pelos limites da humanidade, as contradições do mundo e a organização da natureza. O garoto sonhador queda em silêncio diante do adulto desiludido. O garoto sonhador senta triste quando não vê no horizonte a possibilidade do sol se tornar cada vez mais belo.
Cresceu. Ficou adulto como os outros adultos e, hoje, vive explicando tudo. Disfarçado de adulto tenta não acreditar mais que o sol encosta na terra, que as pétalas são para as margaridas; tenta se contentar com o seu jardim sem olhar para o sol. O jardim continua bonito, mas não tanto quanto a margarida gigante a cruzar o céu dos meninos iluminando e perfumando o adulto que hoje é com a luz e o perfume inesgotáveis enquanto houver dentro de cada ser humano o atrevimento infantil a se rebelar contra quem não tem coragem de sonhar e prefere viver no pesadelo construído sobre os alicerces do egoísmo e da ignorância.
Um dos maiores crimes existentes é tirar o brilho dos olhos da juventude quando o silêncio da falta de oportunidades afasta dos jovens as perspectivas e esperanças de vida melhor. Há muitas formas de arrancar as pétalas dos bolsos dos jovens, mas a mais comum e terrível é negar-lhe escola básica gratuita e de alta qualidade. Se de um lado a corrupção entranhada e generalizada no Estado e na sociedade representa o mal que impede o país de crescer, do outro a falta de políticas sociais eficientes assombra o futuro de tantos filhos de nossa sociedade. O jardim está sendo plantado nas escolas e regado pelos professores. É uma pena que esta preciosa plantação e seus trabalhadores não recebam do Estado e da sociedade a atenção merecida. O Senhor dos céus e do sol verá e punirá eternamente os verdadeiros assassinos de sonhos.

*Professor da Faculdade REGES de Dracena, mestre em Direito (Teoria do Direito e do Estado) pela UNIVEM (Marília); doutorando em Direito (Sistema Constitucional de Garantia de Direitos) pela ITE-BAURU.