Apesar de centenária, a Linguística Moderna ainda é uma ciência oculta na sociedade, inclusive nas escolas brasileiras. Porque usam a linguagem em contextos muito importantes, os políticos e os advogados precisam conhecer muito bem como a linguagem funciona. Lamentavelmente, em muitos casos, seus conhecimentos não passam de ortografia e de correção gramatical. Por isso, não é de estranhar que, no momento atual, interpretações estranhas, até absurdas, do uso da linguagem apareçam na mídia. 

A lista seria muito grande, o que é muito preocupante pelas suas consequências. Dois exemplos: um deputado diz “… este é o Governo mais corrupto que o Brasil já teve”. Isso, obviamente, significa que governos anteriores também foram corruptos. Se o deputado quer processar o atual, deveria processar também os anteriores a que ele se refere. Outro exemplo: há muitos contextos em que se usa a linguagem.
Falando em público, as pessoas procuram uma fala formal, seguindo regras retóricas que incluem a escolha das palavras. No Facebook, no WhatsApp, em conversas telefônicas pessoais, a linguagem traz a marca da individualidade. Basta ouvir jovens, mesmo universitários, conversando para alguém ficar escandalizado com o jargão jovem, com os palavrões.
Um metalúrgico não fala como um doutor. Isso não significa que seu estilo esteja errado, assim como quem fala português não fala errado porque não fala inglês. Cada um tem um sistema linguístico perfeito e adequado para todo tipo de comunicação que quer transmitir. No momento atual, vemos na televisão juristas de alto escalão e políticos interpretarem absurdamente certos usos da linguagem, como as falas telefônicas grampeadas do ex-presidente Lula.
Recentemente, é óbvio que há uma manipulação política da linguagem com o intuito claro de levar a falsas interpretações de trechos de conversas gravadas e de depoimentos da Lava-Jato. Por exemplo, o próprio Lula disse em carta à nação, em 18 de março: Não sou doutor, letrado, jurisconsulto. Mas sei, como todo ser humano, distinguir o certo do errado; o justo do injusto.
Porém, alguns políticos e juristas condenaram sua fala grampeada, usaram seu modo de expressão para tirar conclusões políticas de interesse escuso.

Vemos políticos e juristas basearem seus comentários e decisões nesses equívocos. Não adianta, mais adiante, reconhecerem o erro. Um texto escrito pode ser apagado, mas um texto oral permanece como foi dito na mente das pessoas.
Finalmente, há usos da linguagem que trazem consequências sérias e graves, quando, por exemplo, um juiz, um procurador ou um político condena sem provas reais, baseando-se apenas no que ouviu dizer em qualquer circunstância. Interpretar corretamente a linguagem requer conhecimento de Linguística Moderna, não apenas de gramática escolar.

*professor do Departamento de Linguística da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.