O papa Francisco, através da Bula Misericordiae Vultus (O Rosto da Misericórdia) conclamou os católicos do mundo inteiro a viverem em 2016 o Ano Santo da Misericórdia entre o dia 8 de dezembro de 2015 e 20 de novembro de 2016. Período propício para a reflexão sobre a postura humanitária exigida pelo cristianismo para o qual a preocupação com o outro e sua qualidade de vida é essencial.

O ensino do pontífice inspira-se no Evangelho de Mateus 25, 24-46, no qual Jesus, ao ser questionado, esclarece os elementos do julgamento final. Diante da difícil questão do que se deve fazer para, na linguagem bíblica, livrar-se do castigo e ganhar a vida eterna, Jesus responde “tive fome e me deste de comer. Tive sede e me deste de beber. Era forasteiro e me acolhestes. Estive nu e me vestiste, doente e me visitaste, preso e vieste me ver”. A obra realizada em favor do pequenino socorre o próprio Deus presente na humanidade.
Modernamente as Obras de Misericórdia Materiais avançam para além dos limites da caridade individual e da postura assistencialista de pessoas e organizações e passa a compor o rol dos direitos assegurados a todos e administrados pelo poder público através de políticas públicas. Assim, os direitos fundamentais sociais representam a evolução do papel da organização estatal levando-a a assumir responsabilidades com o desenvolvimento humano.
As políticas fiscais, tributárias e orçamentárias ganham sentido não pela mera manutenção do funcionamento da máquina estatal, mas como mecanismos de solidariedade e fraternidade sociais votados para a proteção das condições promotoras da dignidade humana. Estas políticas, portanto, ganham sentido quando providenciam e asseguram condições de efetivação do artigo 6o da Constituição Federal de 1988, promovendo a “educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.
Apresentadas deste modo, as Obras de Misericórdia servem de substrato para a efetivação dos direitos fundamentais sociais. Isto porque, seus destinatários coincidem com os principais sujeitos a serem protegidos pelas políticas públicas asseguradoras das proteções constitucionais. O que se quer, em ambos os casos, é a promoção humana levando os indivíduos para fora da zona de miséria, pobreza, violência e insuficiência de bens, oferecendo-lhes condições para a vida digna.
Talvez a educação seja a melhor e mais efetiva política pública para combater as mazelas da sociedade e socorrer os necessitados, bem como promover condições para o desenvolvimento econômico e social do país e das pessoas. Uma educação universal e gratuita de alta qualidade é a mais segura ponte entre as exigências das obras de misericórdias e a promoção humana. Os responsáveis pela organização e administração do sistema de ensino, bem como os pais, a sociedade e os professores não podem esquecer que tudo aquilo que “fizerem aos mais pequeninos foi a mim que fizestes”.
A educação vai além do assistencialismo e representa o mecanismo mais eficaz de promoção humana. Investir recursos e pessoas na educação é combater a miséria, cuidar da saúde, controlar a violência, bem como, preparar pessoas com aptidões para a participação no crescimento e desenvolvimento do país.
Neste sentido, considerando de um lado a forte presença da moralidade e do pensamento cristãos na sociedade e, de outro, os objetivos da Constituição brasileira, merece especial atenção o relacionamento entre os destinatários da misericórdia cristã e os dos direitos fundamentais sociais; ambos colaboram para a solidez e efetivação dos preceitos constitucionais promotores, asseguradores e conservadores da dignidade humana. Tudo isto não depende somente das instituições; requer a participação das pessoas. Portanto, merece eco o pedido do papa para que em 2016 reflitamos um pouco na advertência bíblica: sede misericordiosos como vosso Pai (Lucas 6,36).

*Professor da Faculdade Reges de Dracena; mestre em Direito (Teoria do Direito e do Estado) pela UNIVEM (Marília); doutorando em Direito (Sistema Constitucional de Garantia de Direitos) pela ITE-BAURU.