A prisão do ex-BBB Laércio de Moura na segunda-feira (16) por suspeita de estupro de vulnerável levanta a polêmica da culpabilização da vítima. “Nós temos uma cultura que coloca a mulher não como um ser de direitos, mas como objeto de desejo do homem”, afirmou a advogada Sandra Lia Barwinwki, que atua na Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná (OAB-PR).
Para a advogada, o país vive um “ranço machista e sexista da legislação que vem do Código Penal de 1940”. À época, apenas a mulher que não fosse considerada honesta, como previa a lei, poderia ser vítima de estupro, explicou. “De lá pra cá tivemos mudanças: tirou-se a mulher honesta e o estupro deixou, em 2009, de ser crime contra os costumes e passou a ser um crime contra a dignidade sexual”.
“Ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 anos é estupro de vulnerável. Vulnerável é ser passível de lesão, não entender de forma plena o ato. A lei não dá margem para discussão. Eu tendo pela vulnerabilidade absoluta”, afirmou a advogada.
Laércio de Moura foi preso em casa, em Curitiba, e prestou depoimento à Polícia Civil. Ele negou o estupro, segundo a delegada Daniela Andrade, do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria). O ex-BBB também é suspeito de fornecer bebidas alcóolicas para menores de idade. De acordo com a delegada, uma garota de 13 anos, que hoje tem 17, confirmou a suspeita.
“Abaixo de 14 anos, a violência é presumida. A lei é bem clara nesse sentido, abaixo de 14 anos é crime”, afirmou a delegada sobre o crime de estupro de vulnerável. Já quando o ato sexual acontece com maiores de 14 e menores de 18 anos, o crime de estupro se configura se a relação sexual não for consentida e tenha sido utilizada a violência, ainda conforme esclareceu a delegada.
A pena prevista para estupro de vulnerável é de 8 a 15 anos de prisão. Quando houver lesão corporal de natureza grave junto com o estupro de vulnerável, a pena é de 10 a 20 anos de reclusão; e se resultar em morte, são de 12 a 30 anos de prisão.
Culpa
A jornalista e militante feminista Vanessa Prateano, que é pesquisadora na área de violência de gênero e criadora do Coletivo de Jornalistas Feministas Nísia Floresta, também acredita que a culpabilização da vítima é consequência da misoginia, que se caracteriza pelo ódio ou aversão às mulheres.
“Culpa-se a mulher pela violência que ela mesma sofreu e isenta o homem de suas responsabilidades. É algo muito comum, é um pensamento milenar, que demonstra o pouco valor que a vida e a segurança das mulheres possuem aos olhos da sociedade. Chamamos esse ato de culpabilizar a mulher pela própria agressão de ‘revitimização’, pois com essa atitude de descrédito ela é novamente agredida e vitimizada, desta vez por todos e todas nós – seja quando não acreditamos no seu depoimento, quando a tratam mal numa delegacia, quando a colocamos como responsável pelo que sofreu”, explicou Vanessa.
Ela ainda ressaltou que este tipo de situação é comum nos casos de crime contra a mulher e não em outros crimes, como assalto e homicídio, demonstrando a existência do machismo.
Vanessa criticou o uso da palavra ‘relacionamento’ para os casos de estupro de vulnerável, além de defender que não existe possibilidade de consentimento nessas situações. “Não se deve usar termos como ‘relacionamento’ e ‘relação sexual’. É estupro. Ponto. A violência é presumida e é absoluta, não há mais como se apoiar em justificativas ultrapassadas como ‘a criança ou o adolescente quiseram, aceitaram, pediram’. Eles não podem dar consentimento porque estão em fase de desenvolvimento, estão aprendendo a lidar com sua sexualidade, estão em situação de vulnerabilidade. O consentimento não é válido”.
“A lei afirma isso e ninguém pode afirmar que desconhece a lei. Ela existe para proteger a criança e o adolescente, não os desejos e justificativas do agressor. Culpar a criança e o adolescente, afirmando que eles ‘se oferecem’, é uma violência terrível, fruto também do descaso com as crianças e os adolescentes no Brasil, que pagam pelos erros e crimes cometidos por adultos”, completou a jornalista, que também é consultora de mídia e gênero da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OAB-PR.
A militante feminista acredita que é preciso investir na educação e na conscientização das pessoas desde cedo: “Não só para que não cometam esses crimes, mas para que amparem a mulher e não a culpabilizem”. Ela defende uma atuação em várias frentes, desde a melhoria dos serviços de atendimento à vítima de violência até o fim da impunidade dos agressores.
“É preciso educar e conscientizar as pessoas para a igualdade de gênero – em casa, na escola, na universidade, no trabalho, na imprensa, nos bares. Qualquer lugar é lugar para se aprender a respeitar o corpo, as vontades e a vida das mulheres. As mulheres têm direito a uma vida livre de violência”.
Outro lado
“Acusação é infundada porque ele é acusado de praticar estupro de menor vulnerável e ele mal conhece essa menina. Só tiveram amizade virtual, nada ultrapassou do campo virtual. Não teve conjunção carnal”, afirmou ao G1 o advogado Ronaldo Manoel Santiago, que defende o ex-BBB.
O advogado ainda disse que a menina mentiu, dizendo ser maior de idade. Ainda segundo Ronaldo Manoel Santiago, os dois se encontraram apenas uma vez, quando se conheceram e, depois disso, se adicionaram da rede social mantendo uma relação de amizade.