Algumas passagens bíblicas cheias de significados para a vida prática acabam esquecidas em meio a tantos ensinamentos, às vezes, tão mal aproveitados. Em tempos de descontentamento e desconfiança em relação aos políticos revela-se útil lembrar o conflito entre Abimelec e seu irmão caçula, Joatão, filhos de Jerobaal, na sucessão política do pai, conforme narrado no capítulo 9 do Livro de Juízes.
Abimelec, após seduzir pessoas do povo e comprar alguns homens sediciosos e levianos com os presentes daqueles que lhe tinham confiança, foi até a casa de seu pai e matou seus irmãos. Em seguida proclamou-se rei pelas mãos de seus seguidores.
Escondido durante a tragédia sobreviveu o caçula, Joatão. Sabendo da coroação, Joatão realizou belo discurso político cujos ecos estendem-se até os dias de hoje. Revoltado com a situação, o jovem irmão fez a seguinte analogia:
As árvores precisavam de um rei. Convidaram a oliveira: venha e reine sobre nós. Mas a oliveira ocupada em produzir alimentos para os homens esquivou-se do compromisso. Em seguida procuraram a figueira e estenderam-lhe o convite para exercer o governo sobre elas. Esta, também, feliz com os frutos e doçuras de seu trabalho, preferiu abrir mão do convite. Então, foram até a videira acreditando em sua sábia disponibilidade para reinar sobre a nação das árvores. Contudo, satisfeita com a produção de frutos e em ofertar a matéria-prima do vinho, ela preferiu permanecer em seu empreendimento particular no qual se sentia muito mais útil. Sem mais opção foram até o espinheiro e pediram-lhe para exercer seu reinado sobre todas as árvores. Ele rapidamente concordou e convidou a todos os governados para se abrigarem a sua sombra, bem como os advertiu dos riscos e punições caso não fizessem sua vontade.
Olhando para a realidade atual, diante da crise de credibilidade dos homens públicos resta dizer que a cada eleição temos a oportunidade de escolher entre as oliveiras e os espinheiros. As oliveiras como símbolo do poder exercido em favor da comunidade e os espinheiros como protótipo do poder utilizado em benefício de si mesmo através do despotismo, do nepotismo, do fisiologismo e de toda forma de corrupção.
Este ano realizam-se as eleições municipais. Os candidatos começam a ser escolhidos e a organizarem-se. Convém analisar os grupos formados para a campanha. Aqueles que se juntam em agremiações querendo sua parte na divisão dos espólios tirados do patrimônio e do erário público são como os comparsas de Abimelec. Os que votam a troco de corrida de mototaxi, botijão de gás, pagamento de conta de água e de luz, cesta básica, são as árvores perdidas em busca do espinheiro para reinar sobre elas.
A revolta e o descontentamento devem converter-se em indignação ética muito bem traduzida pelo velho professor de teologia moral: assim não pode mais ser, assim não pode ficar! O grande pacto de mudança inicia em nossas casas, bairros e cidades elevando à condição de legislador e administrador municipal plantas frutíferas e não espinheiros e parasitas, como a erva-de-passarinho, capaz de entranhar-se nas árvores mais frondosas sugando-a até a última seiva.
A escolha é nossa! Onde estão nossas videiras? Quando as oliveiras reinarão? São as grandes questões para candidatos e eleitores. A política deveria ser ministério reservado para quem sonha e planeja um mundo melhor para todos.
*Professor da Faculdade Reges de Dracena; mestre em Direito (Teoria do Direito e do Estado) pela UNIVEM (Marília); doutorando em Direito (Sistema Constitucional de Garantia de Direitos) pela ITE-BAURU.