Quanto mais as leis se fazem necessárias, mais frágeis revelam-se os vínculos solidários da comunidade. Neste sentido, faz-se útil visitar o conhecimento de Désiré Dalloz, grande jurisconsulto Francês, da primeira metade do século XIX. Apesar de reconhecer a importância das leis e dedicar sua vida para sistematizar a jurisprudência de seu tempo, ele entendia que as leis não eram tudo para a boa ordem da sociedade.

Segundo Dalloz, “quando a ignorância se instala no seio das sociedades e a desordem nos espíritos, as leis tornam-se numerosas. Os homens tudo esperam da legislação e, constituindo cada lei nova um novo erro de contas, são levados a pedir-lhe incessantemente o que só pode vir deles próprios, da sua educação, do estado dos seus costumes” (em Kropotikin, A Lei e a Autoridade). Esta frase não veio de quem desvalorizava as leis, mas de quem viveu para elas.
Se uma lei se torna necessária para obrigar as famílias, o Estado e a sociedade a educar com qualidade seus filhos, ou a cuidar com carinho de seus idosos; quando se precisa de mandamento legal para dar a preferência para a grávida em qualquer atendimento; ou de sanção penal para evitar a destruição do ambiente em que se vive, parece haver algo errado com os costumes. Se no dia-a-dia a lei se torna mais importante que a gentileza; no casamento, ela se sobrepõe ao amor; nos negócios e na vida pública, ela é superior à honestidade, estão dadas as condições para a legislação não produzir os efeitos sociais a que se destina.
A lei é paliativa diante da ignorância e da desordem. Ela obriga à reparação do dano pela responsabilidade ou atribui pena pela culpa, mas se limita a exterioridade das condutas. A lei possibilita a punição de quem agiu de modo errado, a reparação do prejuízo ao espoliado, a correta divisão dos bens aos que romperam os afetos, contudo não consegue agir preventivamente diante do caráter maligno da desonestidade.
O desonesto quer leis e ao mesmo tempo deseja se esquivar delas. Os infratores mais simples não pensam na lei quando agem; os infratores esclarecidos preparam-se para não serem vistos pela lei enquanto praticam seus crimes.
Então, pode-se ter a maior quantidade de boas leis, elas pouco farão para as condutas dos homens desonestos. Segundo Bertolt Brecht, para estes, os papéis nos quais as leis estão escritas também servem para enrolar os objetos furtados (A exceção e a regra). A lei é necessária, porém diante da ignorância e da desordem, a lei se revela emergencial. Ela remedia, mas não evita os abusos.
Criminalizar condutas estabelecendo punições não assegura a mudança de atitude negativa do agente. Os infratores se acostumam e aprendem a fugir dos olhos da lei ou ignoram o castigo, pois perderam a vergonha da punição e do escárnio público. Dalloz adverte que a superação da ignorância e da desordem só pode vir do próprio homem através da educação, especialmente aquela cujo resultado é o caráter forte o suficiente para não se render aos costumes negativos da cultura e promover a solidariedade sobre a qual surgiu a vida social.
Quanto melhor for a qualidade da educação, menos papeis se consumiram para escrever leis e sentenças. Quanto mais dignos e respeitosos os cidadãos, menos demandas chegaram aos tribunais.
Quando o homem se move por sentimento fraterno e sua conduta é solidária a segurança jurídica transborda sobre a comunidade. A lei se faz necessária para obrigar na reparação dos danos e na punição pelos crimes, mas somente a educação pode elevar o homem ao sentimento fundamental para a vida social: o amor ao próximo, origem da verdadeira honestidade. E isto só se aprende com educação de qualidade.

*Professor da Faculdade Reges de Dracena; mestre em Direito (Teoria do Direito e do Estado) pela UNIVEM (Marília); doutorando em Direito (Sistema Constitucional de Garantia de Direitos) pela ITE-BAURU.