No jornal O Estado de S. Paulo de 6/6, o ministro Osmar Terra, do Desenvolvimento Social, quer restringir o uso de bebidas alcoólicas. Ele alega que há uma verdadeira “epidemia” (mais uma?) de álcool no país e que o governo anterior, o da Dilma, foi omisso na questão. Duas considerações iniciais devem ser feitas: se a restrição sozinha resolveria o problema e se o governo Dilma não soube lidar com a questão.
Na verdade, o governo Dilma, na questão da disseminação das bebidas alcoólicas, não foi o único a não saber propor soluções para o problema. O alcoolismo é um dos tantos responsáveis, no Brasil e no mundo, por violências de todo gênero, entre as pessoas e no trânsito. No caso brasileiro, não são apenas as crônicas policiais que registram os dramas cotidianos vivenciados por famílias inteiras que são obrigadas a conviver com quem se tornou vítima do álcool ou de outras tantas drogas, mas também a literatura nacional, com incontáveis personagens alcoólatras, como o português Jerônimo, de O cortiço, ou o protagonista do menos conhecido Os borrachos, de Silva Guimarães, que já no título faz menção ao problema.
A resolução do ministro soa um tanto descabida, não porque o problema não exista, mas porque a solução apontada já foi tentada tantas vezes em outros países e quase sempre com resultados desastrosos. Osmar Terra, assim como outros ministros do governo temporário Temer, está tentando a todo custo se contrapor aos ministros do governo anterior, como a demonstrar que ocupou o cargo para mudar ou para cancelar o que foi feito antes. Neste caso, porém, não creio que a culpa tenha sido de Lula ou de Dilma. O problema é muito mais complexo e está ligado à reeducação alimentar e, de modo geral, aos aparentemente insolúveis problemas educacionais do país.
É inútil e até perigoso disseminar o pavor pelas bebidas alcoólicas como se elas fossem obra do demônio. O vinho, por exemplo, é um excelente alimento e faz parte da história da humanidade há milênios. É claro que, possuindo álcool, ele também, como as outras bebidas, deve ser consumido com moderação. O problema consiste em como “ensinar” a moderação às pessoas em geral e, sobretudo, aos mais jovens.
A moderação só é adquirida quando há equilíbrio, e a busca incessante do equilíbrio deveria fazer parte da vida de todos nós. Não sendo algo natural entre os seres humanos, o equilíbrio (ou a busca dele) deveria ser ensinado nas escolas, assim como a tolerância e o convívio saudável com o que se mostra diferente de certos padrões impostos pela sociedade.
A reeducação alimentar, com o consumo moderado de alimentos de boa proveniência e, se possível, sem agrotóxicos ou venenos de outra espécie, já faz parte do programa de ensino de muitas escolas de países mais desenvolvidos. Infelizmente, no atual quadro social brasileiro, com problemas muito mais graves, a preocupação com a alimentação saudável está ainda restrita a pequena parte da população que, geralmente, tem um padrão de vida mais elevado.
A moderação no consumo de bebidas alcoólicas, sobretudo no caso de bebidas “nobres” como o vinho, está diretamente associada à reflexão sobre a importância do consumo consciente e controlado dos produtos que diariamente nos são oferecidos nos supermercados. Há médicos e pesquisadores que consideram, por exemplo, o açúcar refinado uma droga, quase tão maléfica quanto o álcool. É preciso, de uma vez por todas, não delegar tudo à capacidade de discernimento do cidadão comum, constantemente sujeito ao bombardeio da propaganda consumista e ao desleixo dos responsáveis pela educação dos nossos filhos.
Mais do que restringir qualquer forma de prazer que possa ser proporcionado pelo álcool, deve-se, portanto, ensinar às pessoas como usufruir adequadamente desse e de outros prazeres. Assim como não se elimina a violência pura e simplesmente eliminando as armas, assim também não se acaba com o alcoolismo apenas restringindo ou proibindo completamente o álcool.
*Professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.