A recente derrubada do veto do governador alagoano Renan Filho ao chamado projeto “escola livre” é mais um episódio do irracionalismo que cresce na sociedade brasileira. O referido projeto tem por objetivo instituir a “neutralidade” na sala de aula, vetando ao professor a emissão de “juízos de valor” e, subliminarmente, da difusão de supostas ideias esquerdistas durante seus cursos.
Movimentos como esse se inserem na onda ultra conversadora que vem varrendo o país. A forte presença de políticos ligados a correntes religiosas conservadores nos diversos níveis do Estado brasileiro tem feito emergir uma agenda reacionária que caminha contra os avanços da cidadania e da ciência. No mesmo sentido, aumenta as ações de intolerância contra as pessoas e instituições que não cabem no seu modelo tradicionalista, como as religiões de matriz africana ou os membros da comunidade LGBT. Soma-se a isso as críticas às noções de gênero, ao feminismo, às novas formas de família e ao planejamento familiar.
Hoje em dia, certos líderes religiosos insuflam o ódio por meio de uma presença escancarada nos meios de comunicação do país. Esses são a caricatura de fanáticos protestantes como William J. Bryan, J. Frank Norris e T. T. Martin que, durante a década de 1920, iniciaram nos Estados Unidos uma campanha virulenta contra o ensinamento da Teoria da Evolução, formulada por Charles Darwin (e também contra o catolicismo). Resultado disso foi a aprovação do Butler Act pelo parlamento do estado de Tennessee, em março de 1925, que proibia o ensino de qualquer tese científica que colocasse em xeque os ensinamentos bíblicos.
O ápice dessa insanidade ocorreu com a condenação do professor de Biologia John Thomas Scopes, em julho do mesmo ano, por ensinar a teoria darwinista aos seus alunos. Anos antes, a Universidade do Tennessee havia demitido seis professores por motivos similares. O absurdo dessa postura foi denunciado nacionalmente pela União das Liberdades Civis Americanas, que havia financiado a defesa de Scopes.
É importante assinalar que a postura desses fanáticos protestantes ajudou a potencializar uma organização racista, violenta, intolerante e fundamentalista que cresceu no sul dos Estados Unidos na década de 1920: a Ku Klux Khan.
Voltando ao Brasil atual, causa perplexidade em imaginar como um professor honesto e humanista poderia se omitir face a temas como as atrocidades da escravidão, a enorme desigualdade social do país ou ainda não ficar indignado com as 50 mil mortes por assassinato, dentre as quais o feminicídio que vitima uma mulher a cada hora e meia. Como ele poderia ignorar em seus debates com os alunos as inúmeras violências cotidianas contra os homossexuais e pessoas negras? Tal omissão seria exemplo de “neutralidade” ou conivência? Tal postura formaria pessoas melhores ou autômatos?
Como vimos, ao longo da História dos Estados Unidos no século XX as forças progressistas se sobrepuseram aos interesses obscurantistas e garantiram a ampliação dos direitos civis, a liberdade de cátedra e o progresso da Ciência. Assim esperamos que ocorra no Brasil, onde a liberdade e a Ciência não venham a ser ofuscadas por fanáticos que defendem uma neutralidade que não praticam.
*professor do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Unesp de Marília.