Muitas configurações familiares que observamos atualmente no Brasil não são novas; desde a colônia encontramos famílias nucleares, extensas, unipessoais e, a que focamos aqui, as famílias chefiadas por mulheres. Estas famílias, contando ou não com um companheiro, são, na realidade, comandadas pelas mulheres.

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentados a partir dos censos de 2000 e 2010 mostram que, no primeiro, 24,9% dos 44,8 milhões de domicílios particulares eram chefiados por mulheres, enquanto que no segundo censo, as mulheres chefiavam 38,7% dos 57,3 milhões de domicílios registrados. Observamos, assim, um crescimento de 13,8%.
O aumento desta configuração familiar se deve a vários processos. Um destes, refere-se ao crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho, por ter um baixo valor atribuído à sua força de trabalho e por ser menos qualificada; os valores clássicos que afirmavam ser o casamento o caminho de ascensão social estabelecido à mulher foram, aos poucos, se modificando, principalmente entre pessoas de nível social mais elevado, onde o poder de decisão é maior. Outro processo mostra, claramente, o aumento da situação de pobreza no Brasil e a tendência recente do mercado de trabalho, de valorizar a prestação de serviços, mais que o emprego de carteira assinada, fazendo com que a situação dos homens, fora deste mercado, se agravasse. Tornou-se, então, difícil para eles manterem-se na posição de provedores da família, o que contribuiu para o crescente número das separações conjugais, entre 1984 e 1990. Observou-se, ainda, que as mulheres chefes de família tinham uma participação mais intensa nas tarefas econômicas do que as mulheres casadas, com companheiro e filhos.
As famílias chefiadas por mulheres, além de sofrerem, ainda, preconceito, vivem em condições econômicas precárias. Sabemos que as mulheres ainda recebem salários inferiores aos dos homens; com o agravamento do desemprego e aumento do mercado informal, onde se concentra a maior parte das mulheres trabalhadoras – apesar de leis que possibilitem sua inserção no mercado formal – há uma piora em sua situação, pois homens migram para estes setores. Sendo por vezes a única adulta no domicílio, as crianças tendem a se inserirem precocemente no mercado de trabalho, ficando expostas a vários riscos. Estas mulheres raramente têm tempo para lazer, pois sua prioridade é a sobrevivência da família.
Além disso, há também o julgamento do desempenho do papel de mãe, em função do modelo imposto pelo ideal burguês que dita o quê e como fazer. Esta fragmentação da maternagem exclui a mulher da possibilidade de conceber formas de cuidados com a prole, que sejam mais coerentes com seu contexto. Assim, são vistas como “culpadas” por não atenderem aos padrões pré-estabelecidos: o conceito de amor materno e posteriormente, o de instinto materno, como algo pertencente à mulher, reforçam as atitudes de recriminação constantes dirigidas àquelas que não atingem o patamar estabelecido como “ótimo” na criação dos filhos. Cristalizam-se as expectativas femininas de gênero.
Nesses tempos sombrios existe o Estatuto da Família em tramitação no Congresso Nacional que, se aprovado, penalizará novamente estas mulheres chefes de família, pois serão excluídas do conceito de “família” e de qualquer direito social que pudesse, ainda que pouco, auxiliá-las em tão complexa realidade.

*psicóloga, professora dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Serviço Social da Unesp de Franca.