A Organização Mundial da Saúde divulgou há poucos dias números preocupantes sobre a evolução da aids no Brasil. Entre 2010 e 2015 aumentou de 700 mil para 830 mil o número de doentes no país, com 15 mil mortes por ano pela doença. O maior incremento na incidência da aids ocorreu entre gays e homens heterossexuais que eventualmente mantém relações sexuais com outros homens.
Com esses números, o Brasil segue na contramão da redução da doença no mundo. Segundo Michel Sidibé, responsável pelo programa de aids da OMS, “o Brasil deixou de ser o melhor aluno da classe”. De modelo mundial nas ações de combate à doença na década de 1990, perdemos o protagonismo e hoje a situação se inverteu, por falta de políticas consistentes para o problema.
Em 2014 o governo brasileiro investiu 800 milhões de dólares no combate à aids, dos quais apenas 6% foram destinados à prevenção. Na última década o controle da doença centrou-se na distribuição de medicamentos para 452 mil portadores do vírus HIV, na distribuição de preservativos e na realização, em número muito aquém do ideal, de testes diagnósticos. A consequência é que o diagnóstico da aids tem ocorrido mais tardiamente que no passado, explicando parte do aumento no número de casos. Outro fator que explica essa piora é a menor adesão ao uso do preservativo, após o advento de tratamentos medicamentosos capazes de controlar a doença.
No início da epidemia na década de 1980, a aids chegou a ser chamada de “peste gay”, pois nos primeiros anos as vítimas da doença concentravam-se nessa parte da população; por mais de uma década, a aids foi utilizada para alimentar toda sorte de preconceitos contra homossexuais. Após alguns anos, a doença espalhou-se para toda a população. Foi nesse momento, na década de 1990, que o governo brasileiro desenhou um dos melhores programas mundiais de combate à aids, baseado no tratamento dos portadores do HIV, no diagnóstico precoce e na prevenção da transmissão, através de ações educativas.
Estima-se hoje que homens que fazem sexo com homens tem 24 vezes mais chances de contrair aids e prostitutas e usuários de drogas injetáveis tenham 10 vezes mais chance de adoecer que a população em geral. Em saúde pública, os recursos são sempre menores que as necessidades. A regra é priorizar as ações para os grupos mais suscetíveis aos problemas, sejam eles doenças crônicas, como o câncer, ou doenças transmissíveis, como a aids e outras.
Nos últimos 10 anos a realização de campanhas educativas para a prevenção da aids tem recebido poucos recursos e atenção. As ações para o diagnóstico da doença e as campanhas educativas veiculadas tem sido genéricas e pobres de conteúdo. Com receio de serem acusados de preconceito e homofobia, os técnicos responsáveis pelo desenho das campanhas educativas e outras ações contra aids não tem seguido a regra de ouro da saúde pública, de priorizar o uso dos recursos disponíveis em ações direcionadas aos mais suscetíveis, homens que fazem sexo com outros homens e prostitutas.
Para que o Brasil recupere novamente a dianteira no combate à aids, reduzindo a ocorrência de novos casos, é fundamental o aumento dos investimentos em prevenção e a adoção de uma abordagem em que a epidemiologia fale mais alto que conceitos os ideológicos.
*Médico, doutor em Saúde Coletiva e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp em Araraquara.