Em meio às turbulências do final do Século XVII e início do XVIII, o Abade de São Pedro publicou, em 1713, seu Projeto para tornar perpétua a paz na Europa. Para ele o fim das guerras e o respeito entre os povos dependiam da organização da comunidade internacional, ao mesmo tempo, respeitando a soberania interna e promovendo a solidariedade externa.

Também em meio aos conflitos do final do século XVIII, Emmanuel Kant, em 1784, propõe a Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita. Para ele, o desenvolvimento da sociedade humana caminhar do primitivo individualismo para o moderno cosmopolitismo internacional. Isto é, a própria história levaria os homens a transformar as muitas nações numa grande federação de repúblicas.
Respondendo às ironias e descrenças dos defensores de que o local da paz definitiva é o cemitério, em 1795, Kant retoma o tema para propor seis artigos preliminares e três definitivos da organização mundial voltada para a Paz Perpétua. A proposta é que a constituição civil de cada povo seja republicana, que a organização internacional funde-se numa federação de estados livres e que o direito cosmopolita proporcione as condições de hospitalidade universal.
Em resumo, a política exterior das nações deve se pautar pelo respeito e pela defesa dos interesses comuns, condições necessárias para evitar a eclosão de novas guerras. Todos os povos vivem numa mesma grande cidade chamada Terra e da qualidade da regulação das relações internacionais dependem as leis internas das nações.
Em plena modernidade, os interesses locais geraram a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Em meio a números que variam entre 50 e 200 milhões de mortos; após a dura realidade de campos de concentração e de extermínio e a explosão atômica sobre cidades civis; contabilizando os prejuízos mundializados, as nações, influenciadas pela pedagogia da dor, encerraram o conflito buscando mecanismos para evita a reincidência.
Talvez seja este um dos principais motivos do surgimento da ONU e dos diversos organismos internacionais. Logo após o fim da Guerra surge a Organização das Nações Unidas. Então, percebendo as vantagens da aproximação e da defesa dos interesses comuns, o último quarto do século XX assistiu à organização de comunidades político-econômicas voltadas para o desenvolvimento solidário regional.
Tudo isto para falar do Brexit, da saída do Reino Unido da Comunidade Europeia. Os interesses locais falaram mais alto. Com a iniciativa do Reino Unido o discurso da ruptura passou a frequentar as pautas diplomáticas e os noticiários. Parece que o princípio de que cada um tem que cuidar de seus interesses está em alta.
O que levou o homem do século XX a produzir uma organização de união das nações não foi a boa vontade do equilíbrio de interesses ou o sonho da comunidade cosmopolita, mas a tragédia da guerra com suas consequências. Passados 71 anos os traços da dor estão sendo apagados com a morte dos últimos sobreviventes e já se descarta a união das nações. Terão razão os defensores da teoria de que a paz entre os homens só acontece no cemitério? O grande problema não é a saída do Reino Unido, mas a falta de memória sobre as consequências das desuniões e dos ódios entre os homens e os povos.

* Professor da Faculdade REGES de Dracena, Mestre em Direito (Teoria do Direito e do Estado) pela UNIVEM (Marília); doutorando em Direito (Sistema Constitucional de Garantia de Direitos) pela ITE-BAURU.