O título faz referência a Francisco Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro entre 1902 a 1906, do qual o governo foi lembrado por uma variedade de reformas e intervenções na cidade do Rio de Janeiro. Reformas não unicamente de cunho estético na urbanização, mas que atingiram a mobilidade social e desnudaram com maior ênfase uma sociedade desigual. Pereira Passos havia se inspirado nas reformas do Barão Haussmann, na Paris do século XIX. Vez ou outra, o fantasma vagante de Pereira Passos insiste em possuir corpos de prefeitos do Rio de Janeiro.
Anacronismos à parte, o nosso Haussmann do século XXI tem enfatizado com certa propriedade o legado que pretende deixar às gerações porvindouras após o advento das olimpíadas: a sociedade permanece desigual. O tratamento imposto aos desfavorecidos pelo espírito olímpico, especialmente negros e pobres, revela um famigerado histórico de nação higienizadora da sua população.
Em nome de um projeto político, famílias foram excluídas dos locais privilegiados da cidade carioca por não se adequarem a uma normatização de cidadão preterido. Ambientes arborizados, com belíssimas fontes e avenidas alargadas deveriam ser frequentados e habitados por um “tipo” ideal de brasileiro. Os moradores expulsos dessas áreas foram obrigados a se anexarem nas periferias e morros nos arredores da então capital federal, sempre acompanhada da habitual repressão policial e do aparato das ferramentas públicas de coerção. Tal lição higienizadora social foi bem entendida pela atual política de “Pereira Paes”, principalmente no seu particular “Bota abaixo” olímpico. Enquanto colossos são edificados, milhares de famílias são desalojadas, nutridas apenas pela esperança do “legado olímpico”.
Se no início dos Novecentos, em meio ao contexto reformador, a companhia Light and Power se beneficiou com o monopólio do fornecimento de energia elétrica. O desafio atual consiste em saber quais são as companhias beneficiadas na construção dos colossos olímpicos e os atores das assinaturas dos contratos.
A chama olímpica, por sua vez, é abastecida diariamente com almas de anônimos das classes desprivilegiadas que são constantemente subtraídas ao preço da “segurança olímpica”. A força policial empregada nas comunidades e nas arestas dos cenários de realização dos jogos, além de desproporcional, estabelece uma mensagem objetiva à população acerca do público almejado no mês de agosto.
Quanto aos esportistas e amantes do entretenimento olímpico, nem estes terão muito o que comemorar. Há dois anos, os faraônicos estádios içados para a Copa do Mundo em diversas regiões do país deram a dimensão da catástrofe futurística dos seus empreendimentos. O legado da Copa não passou de promessa. E me refiro ao futebol, culturalmente o esporte de maior apelo da população. Às vésperas do agosto olímpico, multiplicam-se as constatações do descaso com a matéria prima dos jogos, os atletas.
Estes, por décadas foram desassistidos pelo poder público e privado. Com poucos recursos, patrocínios e motivações, tornaram-se peças de uma mobília olímpica temporária.
Recentemente, o prefeito “Pereira Paes” teria dito para um popular “se mudar” caso estivesse insatisfeito com o seu governo. Esta parece ser a vontade do atual prefeito. Na impossibilidade de decretar um Estado de Exceção, excluir os “indesejáveis” e criar um Rio de Janeiro exclusivo para os turistas, a força da expressão é o legado que fica: “Se muda, pô”.
*Graduado e Mestre em História pela Unesp, é atualmente doutorando em História na Fundação Oswaldo Cruz-RJ