Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Escola Sem Partido (PL 867/2015), cujo objetivo é proibir e criminalizar manifestação considerada ideológica de professores em sala de aula protegendo as convicções dos alunos e suas famílias. A leitura do projeto recomenda assistir ao Julgamento do Macaco levado às telonas como O vento será tua herança, em virtude de uma citação bíblica (Provérbios 11, 29) usada pelos acusadores.

O Julgamento do Macaco (Monkey Trial) é um importante caso jurídico ocorrido em 1925 nos Estados Unidos. Trata-se do processo do Estado do Tennessee contra John Thomas Scopes, professor de biologia. Sendo preso pela acusação de violar lei estadual que impedia o ensino da teoria darwinista, a comunidade local execrou o rapaz como corruptor dos jovens.
O julgamento, transformado em livro e peça de teatro (J. Lawrence e R. E. Lee) em 1951, virou filme com grande elenco em 1960. Destacam-se, entre os atores, Gregory Peck e Spence Tracy. Ganhou remake em 1999.
O Projeto de Lei Escola sem Partido propõe expressamente no artigo 3º: “São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”.
Quem delimitará o conceito de ideologia e o de convicção? Como se definirão as convicções religiosas e éticas em relação aos conteúdos necessários para a formação científica básica dos alunos? Se houver em sala criança de determinada família convicta na teoria da criação, haverá permissão para o ensino da teoria da evolução? Todo tipo de convicção receberá o mesmo tratamento? Questões que precisam de respostas.
A discussão remonta a tema do final do Século XVI e início do XVII, quando em 1600 arrancaram a língua de Giordano Bruno e condenaram-no à morte na fogueira por contrariar os ensinamentos bíblicos. Entre seus crimes estava o heliocentrismo, isto é, que o Sol e não a Terra centraliza o sistema. Com Bruno, condenou-se toda a ciência de seu tempo em nome da proteção das convicções.
O mesmo aconteceu mais de trezentos anos depois no estado americano do Tennessee. Lei estadual proibiu contrariar as convicções religiosas e éticas das famílias e criminalizou a manifestação do professor em sala quando classificada como ideologia prejudicial à boa formação dos jovens. Como resultado aconteceu o Julgamento do Macaco levando Darwin e a teoria da criação para o banco dos réus. Em nome da proteção das convicções condenou-se o ensino básico de biologia como ideologia proibida e nefasta.
No dia do Julgamento, todas as autoridades científicas americanas convidadas para testemunhar em favor do professor foram rejeitadas pela promotoria e desclassificadas pelo juiz. Antropólogo, biólogo, sociólogo e filósofo foram considerados suspeitos e tendenciosos ideologicamente. Restou ao advogado contestar a causa pelas contradições textuais das escrituras.
Apesar de todas as boas intenções manifestadas pelos autores do Projeto de Lei Escola sem Partido e seus mentores, trata-se de matéria merecedora da maior atenção pela sociedade. A fragilidade da relação entre convicção, ideologia e ciência demanda cuidados para não se criar as condições de reedição, no Brasil, no início do século XXI, do Julgamento do Macaco, pois, se isto acontecer, o vento será a herança.

*Professor da Faculdade Reges de Dracena, mestre em Direito (Teoria do Direito e do Estado) pela UNIVEM (Marília); doutorando em Direito (Sistema Constitucional de Garantia de Direitos) pela ITE-BAURU.