Eram os deuses astronautas? O famoso livro caça-níqueis dos anos 70, escrito pelo suíço Erich Von Däniken, e as recentes declarações de Marilena Chauí, isto é, de que Sérgio Moro foi treinado pelo FBI e toda a corrupção escancarada dos últimos tempos foi arquitetada por uma organização estrangeira (qual? de que país?) para nos tirar o Pré-Sal, têm muito mais coisas em comum do que poderia supor a nossa vã filosofia. Mais do que delírios conspiratórios ou mistificações romanceadas, ambos denotam superficialidade intencional. 

No primeiro caso, o do best-seller dos anos 70, explicam-se mistérios como os que ainda cercam a construção das pirâmides no Egito, da maneira mais “curta” e, portanto, com enormes probabilidades de resvalar, ou de chafurdar completamente, na argumentação débil e inconsistente, da qual estão ausentes tanto a preocupação empírica como a intuição genial, tanto a interpretação de fatos e documentos como a fantasia criativa. No segundo, o das afirmações de Chauí, a argumentação é semelhante à medida que utiliza argumentos “batidos”, dejá-vu, ligados ao antiamericanismo mais superficial, ressuscitando antigos fantasmas devido à recusa em enxergar fatos concretos, mais do que provados.
Não apresentando fatos ou documentos que comprovem essa conspiração internacional, nem demonstrando os mecanismos pelos quais a suposta mídia golpista e burguesa demonizou e desmontou o PT e o governo Dilma, utilizando os “demoníacos” Sérgio Moro e William Bonner, os argumentos da ilustre filósofa assemelham-se aos do discurso retórico de um político que distorce os fatos deliberadamente para não ter de admitir o fracasso de um projeto de governo ou de um conchavo político urdido com pouca habilidade. Pois bem, o PT fracassou em todos (ou quase) projetos políticos e não soube costurar os conchavos e as alianças políticas que lhe pudessem garantir a tão desejada longevidade.
Ora, não é preciso ser economista para perceber que, sobretudo no governo Lula, a política econômica adotada foi do inteiro agrado dos americanos e do FMI! A mídia europeia (com relação à italiana, sou testemunho direto) de “esquerda” (“vendida”, dirão alguns radicais da esquerda brasileira) várias vezes se referiu à forma “lulista” e “dilmista” de conduzir a economia como muito próxima do neoliberalismo. Por que então os Estados Unidos (ou outra potência imperialista) haveriam de treinar o corajoso juiz Moro e, não contentes com tal proeza, sentiriam a comichão de “inventar” os escândalos de corrupção do Brasil atual? Parece-me semelhante às mistificações do escritor suíço que “liquidou” a questão dos mistérios da antiguidade com a teoria dos deuses-astronautas, fazendo tábula rasa e reduzindo a pó de traque a fantástica beleza da mitologia greco-romana, tudo em nome do vil metal, isto é, da vendagem segura do livro.
Em nome do que Marilena Chauí e outros espalham considerações que pecam pela superficialidade? A leitura de grandes nomes da literatura como Dante, para citar um clássico, ou Machado de Assis e Pirandello, leva-me sempre, em cada pensamento íntimo ou em cada pensamento que consiga se transformar em artigo ou ensaio, a considerar e a procurar compreender as razões dos outros, que podem ser infinitas. Marilena Chauí e outros intelectuais ligados ao PT não conseguem admitir, provavelmente, que os projetos de juventude de um Brasil menos injusto, sem miséria e sem fome, em grande parte fracassaram quando todas as fichas foram apostadas no PT e na liderança de Lula.
Na minha modesta opinião, há uma única grande diferença, porém, entre as intenções do escritor de best-sellers que, ao buscar soluções fáceis para mistérios relacionados à história da humanidade, logrou êxitos monetários notáveis, escancarando, assim, as suas verdadeiras motivações, e as fantasiosas teorias conspiradoras de Marilena Chauí: ela e outros partidários do PT não conseguem suportar a dor de assistir ao desmoronamento dos castelos de areia da juventude, o que é humanamente compreensível. Incompreensível, porém, é não exercer o nobre ofício da autocrítica que leva à revisão constante das ideias, saudável e auspicioso em qualquer democracia e em qualquer ambiente cultural elevado. É de se esperar, portanto, que isto ocorra com o tempo e que as velhas teorias conspiratórias sejam enterradas definitivamente.

*Professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.