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Com a aprovação do Senado do prosseguimento do processo de impeachment de Dilma Roussef, parece que finalmente a novela terá um fim, e o suposto vilão será punido. Cabe perguntar, porém, qual é o verdadeiro vilão dessa interminável novela de mau gosto, além dos que já foram considerados culpados e da ex-presidente, à qual são atribuídos crimes de irresponsabilidade na gestão do país e, sobretudo, dos recursos públicos do país. A resposta, para mim, parece óbvia: o carcomido regime presidencialista brasileiro.
Se o Brasil fosse regido por um sistema parlamentarista, Dilma Roussef, na qualidade de “premier” ou primeira-ministra, teria há muito perdido o seu cargo, uma vez que, por ampla maioria, a Câmara dos Deputados, houve por bem afastá-la, e o mesmo parece sinalizar o Senado. Teria havido menor desperdício de tempo, e tempo, como reza o pragmatismo americano, com seus defeitos, mas também com inegáveis virtudes, é “dinheiro”. Quem pagou, e ainda está pagando a conta, pela prorrogação desnecessária e perniciosa da (quase) ex-presidente brasileira? O contribuinte, como parece óbvio, e principalmente o mais desfavorecido e, por isso mesmo, sem condições de defender-se das garras do Estado ineficiente e corrupto.
No entanto, para que haja um bom regime parlamentarista é preciso primeiramente “construir” vagarosa e paulatinamente verdadeiros partidos. Certamente os que existem atualmente no Brasil são agrupamentos de carreiristas, arrivistas e aventureiros, salvo honrosas exceções, que pouco ou nada enxergam no horizonte além da nem sempre árdua tarefa de encher os próprios bolsos. Na verdade, para a maioria, o dilema consiste tão somente em como enriquecer fazendo parecer que se defendeu ao mesmo tempo uma causa pública ou que foram obtidos lucros enormes com habilidades empresariais, tudo naturalmente em prol do povo brasileiro.
Como constituir bons partidos? Para que sejam constituídos os bons partidos, é preciso primeiramente dissolver, ou até mesmo eliminar, todos os existentes atualmente no Brasil, sem exceções. Para tornar viável tal proposta, poderia ser convocado um plebiscito, em que o povo seria chamado às urnas para decidir primeiramente entre manter as atuais siglas partidárias ou eliminar não apenas os partidos nanicos ou inexpressivos, como também os partidos em que pelo menos um dos seus componentes já tivesse sido alvo de investigações policiais, com acusações de corrupção ou de malversação de recursos públicos. Na prática, portanto, se a dissolução dos partidos fosse aprovada pelo povo, não sobraria nenhum no atual quadro político.
Feita a possível, e democrática, dissolução dos partidos, mediante a aprovação em plebiscito, o presidente em exercício convocaria uma comissão de “sábios”, em que os mais destacados intelectuais, em todos os setores, de todas as orientações políticas, seriam chamados a dar a verdadeira contribuição que deveria fazer parte da vida de todo intelectual verdadeiro, além da redação de teses, tratados, livros e artigos: a atuação direta no cerne das decisões políticas que afetam a vida de todos os cidadãos. Essa comissão de notáveis ou de sábios teria, enfim, a difícil missão de estabelecer critérios para a constituição de partidos, em que se exigiria dos postulantes à constituição das futuras “facções” ou “grupos de parte” (para usar dois termos em voga na Idade Média e que refletem as polarizações a que assistimos na nossa época) não apenas honestidade, demonstrada pela carreira, pelas atitudes e pelas ideias, mas também cultura, demonstrada por meio de reflexões e considerações sobre o país e os seus problemas, por escritos e por entrevistas de amplo acesso a todas as camadas sociais. Além do mais, para que se constituíssem os partidos, seria exigido total distanciamento de lobistas e de grupos empresariais, sendo inclusive proibida a participação na política de empresários ou de donos de qualquer forma de veículo midiático. Os candidatos desses partidos, assim constituídos, seriam escolhidos pelo povo, que teria ampla liberdade, isto é, direito, e não dever, de interferir e de escolher os seus representantes em cada “facção”.
Dentro de um regime parlamentar, que adotaria, por exemplo, o modelo italiano atual, no qual o presidente apenas representa o Estado, mas pode e deve também interferir quando não houver um acordo com relação à escolha ou à destituição do primeiro-ministro, esse renovado e, espero, não utópico, quadro político, com partidos renovados, com políticos provenientes das melhores universidades, o que de per si não constitui garantia de eficiência e honestidade, mas ao menos minimiza a possibilidade de corrupção e de incompetência, o Brasil poderia começar a trilhar um caminho que o levaria, na melhor das hipóteses, a ser um país desenvolvido em duas ou três décadas, com a maioria da população desfrutando de um nível de vida aceitável ou bom. Caso contrário, não vejo saída. Para uma verdadeira renovação do quadro político, não basta substituir o titular pelo vice, ou o que foi julgado corrupto por outro cuja honestidade ainda não foi posta à prova. Para renovar de verdade, é preciso mudar os mecanismos que geram os partidos e os políticos. Utopia? Talvez sim, mas não custaria nada tentar.
*professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.
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