Só hoje, e por acaso, tive conhecimento de que no dia 23 de agosto de 1991, foi criado na Suíça o WWW (World Wide Web) e, a partir de então, passou-se a comemorar no dia 23 de agosto o “dia do internauta”. Depois de quase 30 anos em que, efetivamente, em boa parte do planeta, as pessoas têm acesso, mais ou menos irrestrito, mais ou menos eficiente, aos serviços da internet, cabe perguntar: valeu a pena? O que no início era mais uma forma de comunicação entre militares, passou a constituir o mais veloz e eficaz meio de comunicação da atualidade. De fato, assim como o avião, por exemplo, inicialmente explorado pelos exércitos como arma de destruição (se não me engano, a Itália foi o primeiro país a utilizá-lo na guerra contra a Líbia, em 1911), a internet, assim como tantas invenções humanas, possui também o seu lado obscuro, mais ligado à destruição do que à interligação benéfica entre os humanos. Não destrói diretamente como o avião de guerra, mas, escapando do controle dos militares que tão somente queriam dinamizar as operações de inteligência secretas, passou a constituir um enorme business para alguns e uma ilusão de domínio e alcance irrestrito para outros, por vezes bastante perigosa.
Assim como aconteceu com o cinema, hostilizado no início por autores e atores do mundo teatral, entre os quais podemos citar o ilustre nome de Pirandello, nos anos 20 do século passado, e também com a televisão e o videocassete, que mereceram a ojeriza de alguns nomes do cinema, a internet também sofreu duras críticas no início, mas foi revalorizada e devidamente compreendida por personalidades como Umberto Eco e outros intelectuais. A banalização e a vulgarização, inerentes a um tipo de comunicação bastante democrático e cada vez mais popular, não deveriam determinar a desvalorização e o desmerecimento completo dessa maravilhosa rede que interliga milhões de pessoas em todos os países da terra. A internet é apenas uma ferramenta que, sem a razão humana que dela se serve, não teria por que existir. Se nela estão aspectos sombrios que concernem à sociedade humana, como a pedofilia ou os ataques racistas e xenófobos pelo facebook, apenas para citar alguns entre os tantos usos impróprios da rede eletrônica, isto se deve ao ser humano que, após séculos de progresso racional e científico, pouco ou nada mudou, uma vez que a condição humana é eterna e imutável e as pressões a que os homens e mulheres estão sujeitos são as mesmas, apesar da roupagem diferente com que se apresentam.
Um exemplo claro das virtudes e, contemporaneamente, dos vícios da internet, está no uso que dela se faz nas escolas, do ensino fundamental ao superior. Se bem usada, isto é, se as crianças ou os adolescentes tiverem acesso à rede na idade certa, isto é, dificilmente antes dos 10 ou 11 anos, e se forem orientados por um profissional da educação bem preparado e competente, pode ser não apenas útil, como também decisiva na formação dos estudantes, à medida que os colocam em contato com uma quantidade infinita de informações que, se submetidas ao crivo crítico e à devida “filtragem”, auxilia enormemente no acesso ao conhecimento do mundo que os cercam, com suas misérias e com as suas grandezas, ajudando na formação de um espírito crítico, dotado de erudição e de capacidade de discernimento, constituindo, enfim, a verdadeira cidadania, finalidade essencial da boa escola. Se mal usada, isto é, se empregada para alargar as possibilidades de alienação e de escapismo fácil, por meio, por exemplo, da pornografia que banaliza e distorce o erotismo nas artes e coisifica os homens e as mulheres (principalmente as mulheres), reduzindo-os a uma parte de seus corpos, destituindo-os do que se convencionou chamar de “humanidade”, então contribui ainda mais para alargar o fosso em que a humanidade se jogou no início da aventura tecnológica, principalmente a partir do século XX.
Revista à distância de séculos, a Idade Média, objeto do sarcasmo e do menosprezo dos iluministas franceses no século XVIII, não nos parece mais a “Idade das Trevas”, pois acabou se revelando um período de grande dinamismo e de fervor artístico-cultural, apesar das epidemias de peste, apesar da fome, das guerras e da carestia de, por exemplo, períodos específicos, como em meados do século XIV. Não nos convém, todavia, um retorno a esse período da história, em que a ciência humana, atrelada à teologia e ao “misticismo” cristão, não podia observar empiricamente a natureza que nos cercava, dela extraindo todas as potencialidades capazes de amenizar nosso cotidiano de seres frágeis, sujeitos às intempéries, às enfermidades e às limitações impostas pelos nossos sentidos. A internet, portanto, como outras conquistas do progresso científico-tecnológico, não precisa ser suprimida ou abandonada, mas deve ser encarada somente como uma poderosa ferramenta, a ser utilizada por pessoas com um mínimo de maturidade e de preparo. Além do mais, tal qual o livre mercado na economia, com a concorrência que dele decorre e que pode beneficiar os consumidores, e que precisa ser submetido à vigilância pública para evitar a corrupção e os excessos, a internet, por causa do livre e democrático acesso que propicia, deve ser objeto de vigilância rigorosa, para evitar que dela se aproveitem os costumeiros aventureiros inescrupulosos.
*Professor da Faculdade de Ciências e Leras da Unesp de Araraquara.