Maria da Penha Fernandes foi vítima de agressões durante seis anos. Seu marido tentou matá-la por duas vezes: em 1983 atirou em suas costas enquanto dormia e, na segunda vez, tentou eletrocutá-la. Maria ficou paraplégica e levou quase vinte anos para provar que foi vítima de violência doméstica. Seu marido, condenado em dois julgamentos, ficou pouco tempo na prisão, já que recebeu sua sentença faltando poucos meses para a prescrição dos crimes.
O caso levou o país a ser denunciado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Sua condenação pela tolerância e omissão com os casos de violência contra a mulher fez com que o Brasil tivesse que buscar mudanças e, em 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei Federal 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha.
Nesta semana a lei completa dez anos e se tornou um marco na luta das mulheres contra a violência doméstica e familiar porque a tipifica como uma forma de violação dos direitos humanos.
Apesar do debate ter ganhado força nos últimos anos, o ‘Mapa da Violência: Homicídio de Mulheres no Brasil’ publicado em 2015 traz um dado alarmante. O Brasil ocupa atualmente a incômoda 5ª posição no ranking de violência contra a mulher, atrás apenas de países como El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. O ranking compila dados de 83 países fornecidos pela Organização Mundial da Saúde.
Balanço do Disque 180 – a Central de Atendimento à Mulher da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – registrou em 2015 cerca de 76,6 mil denúncias de violência, um aumento de 44,74% em comparação com 2014. Foram relatos de violência física (50%); psicológica (30%); moral (7%); cárcere privado (5%); violência sexual (4%); patrimonial (2%); e tráfico de pessoas (0,4%).
O relatório aponta também que as mulheres negras são a maioria das vítimas (59%) e que em 72% dos casos as violências foram cometidas por homens com quem as mulheres têm ou tiveram algum vínculo afetivo: atuais ou ex-companheiros. A maioria dos relatos referiam-se à violência doméstica e familiar (86%) e em 40% dos casos a violência aconteceu de forma diária.
A lei trouxe grandes benefícios não apenas na parte jurídica e penal, mas fundamentalmente na construção de uma rede de políticas públicas intersetoriais de prevenção, proteção e atenção à mulher.
Dentre os serviços em funcionamento destaco os Centros de Referência da Mulher, Delegacias de Defesa, Rede de Hospitais, Defensorias Públicas, além de contar com o apoio do terceiro setor no atendimento qualificado, como o desenvolvido pelo Centro de Referência às Vítimas da Violência do Instituto Sedes Sapientiae. Os 275 Centros de Referência Especializados da Assistência Social oferecem orientação e acompanhamento a indivíduos e famílias em situação de ameaça ou violação de direitos.
Contudo, os dados são indicadores de que tanto o poder público como a sociedade civil não podem ficar inertes diante dessas violações. Passados dez anos de sua aprovação, é preciso entender que a violência doméstica atinge mulheres de todas as classes sociais, de diferentes formações e profissões. É uma questão cultural, patriarcal e machista e somente o constante debate e a disseminação da informação podem acabar com esse ciclo. É preciso continuarmos na luta por uma sociedade mais igualitária, humana e livre da violência.
*Deputado federal e secretário de Estado de Desenvolvimento Social de São Paulo.