Começou a beber com aproximadamente 17 anos. Sentia-se mais confiante para falar com as meninas. No início não gostava de cerveja e cachaça, tampouco do requintado whisky. Mas o tempo o ensinou a apreciar, e ele o apreciou. O gosto então se consolidou na faculdade e mais tarde, já no mercado de trabalho, aprendeu a beber diariamente para aliviar o estresse do batente. Se uma taça de vinho não faz mal, tomava duas e três. Vieram os filhos e o hábito persistiu. Agora bebia para entreter a família. As desculpas mudavam entre um gole e outro, e a vida corria. Fez bodas com a cerveja, passaram-se 33 anos bebendo.
Na faculdade também ganhara outro companheiro: o tabaco. Na época fumar era cool, diziam os comerciais da Hollywood. No início, fumava para se sentir pertencido à galera, não poderia ser o único a não fumar. O tempo passou e o cigarro passou a ser um grande companheiro. Tomava café, um traguinho. Com a cerveja, dois traguinhos. Deu vontade, três traguinhos. Com ele também fez bodas. Havia tentado parar, mas não era fácil. Logo sustentava a frase “se vou morrer de qualquer jeito, pelo menos vou aproveitar”.
Nascido no campo e criado na cidade, nunca gostou de saladas, grãos ou qualquer uma dessas tendências alimentícias. O negócio era massa e carne vermelha. Era o churrasqueiro número 1 do seu círculo de amigos. Sabia que não tinha os melhores hábitos e tentava não repassá-los para os filhos. Sempre dizia “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. – Comam a salada toda!
A correria do dia-a-dia o afastara dos esportes. Agora com uma barriga saliente, não conseguia mais participar das peladas de domingo, disso se arrependia. Não entendia como de uma hora para outra havia perdido seu fôlego. Talvez fosse a idade.
Agora com cinquenta anos e cabelos ligeiramente grisalhos, sentia-se satisfeito com tudo que havia conquistado e com tudo que havia vivido. Mas deitado naquela cama, com o braço ligado por um fino tubo a uma máquina que injetava uma substância que o curava e o destruía, sentia uma sensação estranha. Sentia medo de não aproveitar suas conquistas, de não ter tempo para brincar com os netos e de não envelhecer ao lado de sua esposa.
Se perguntava o porquê de ter desenvolvido câncer, de estar naquela situação. Seria culpa de Deus? Seria culpa de vidas passadas? Talvez. Mas no fundo, não acreditava nisso. Sabia que a culpa era sua.
Viveu sua vida sobre o lema da intensidade: aproveitar a vida como se não houvesse amanhã. O amanhã chegou. E trouxe consigo um novo companheiro, um tumor no pulmão com metástase em outros órgãos.
Agora queria fazer diferente, mas já não dava tempo. A fatura da vida havia chegado.
*Formando em Ciências Biológicas – Ênfase Biotecnologia pela UFES – Universidade Federal do Espírito Santo. Após perder sua mãe na luta contra um câncer, fundou a startup WeCancer.