O Brexit – abreviação da língua inglesa para a saída da Grã-Bretanha da Comunidade Européia, despejou uma série de criticas mundiais contra os ingleses, algo que possivelmente eles já estavam sentindo falta há alguns anos. Quem visita a Inglaterra – e podemos incluir nisso a Escócia e o País de Gales – ou por ali mora um tempo, percebe que desde Henrique VIII (pelo menos) seus habitantes detestam ser considerados como parte integrante da Europa.

O Canal da Mancha mesmo com o túnel ligando Dover a Calais na França quase nada fez para diminuir esta sensação desejada de isolacionismo, arrogância e superioridade que – se diminuiu depois do fim do Império Britânico – não cessou de existir. A história fala por si só… Henrique VIII deu ‘uma banana’ para o Vaticano lá pelos idos de 1530, criou sua própria Igreja Cristã, acabando com o poder do papa, numa época onde Espanha e Portugal assim como a França beijavam o Anel Papalino, promoviam a ‘Santa Inquisição (que de Santa não tinha nada…) e contavam com a bênção do Vaticano para legitimizar suas monarquias absolutistas… nada democráticas!
Aliás, tocando neste tópico, o primeiro documento do mundo ocidental pregando princípios democráticos de igualdade só podia ter nascido na Inglaterra em 1215 com a Magna Carta quando ainda a maioria dos países europeus nem tinham suas fronteiras precisas. Se voltarmos lá para trás, com Julio César – quando este resolveu voltar para Roma para lutar por seu posto de Imperador, saiu justamente da Bretanha que tanto odiava dizendo não entender como um local onde quando não faz frio, chove – pode ser agradável de ser habitado.
Os exemplos se sucedem – judeus expulsos da Espanha e Portugal em 1492 rumam para Inglaterra onde seus conhecimentos de finanças, comércio e ciências catapultam a Inglaterra a se tornar recipiente do ouro espanhol e português com sua produção industrial possibilitando o desenvolvimento da pequena ilha a ponto de ter um Império onde o sol nunca se punha. Elisabete I começa esta revolução econômica ainda no início dos anos 1600, com ajuda do corsário Drake destruindo a armada espanhola que nunca mais ameaçou a ilha. Foi o 1º país a ter uma revolução popular, comandada pelo Parlamento que decapitou o rei Charles I ainda em 1658, quase um século antes do plágio francês da Bastilha.
A Rainha Vitória, consegue o auge da dominação deste Império, da China, Índia, África, Oriente Médio, América do Norte (Canadá), do Sul (Guiana) em 1876, com um exército de menos de 500 mil homens, além de dominar economicamente vários países até o século XX como nossa Terra Brasilis. Os bancos ingleses, o chamado centro financeiro britânico – a City – já remonta desta época Vitoriana assim como o Lloyds, a maior bolsa de seguros do mundo. A Bolsa de Valores de Londres foi a segunda do mundo – 1698 – depois de Amsterdam, não por coincidência outra nação recipiente dos judeus expulsos ou perseguidos sem nexo por Portugal e Espanha a pedido do Papa no fim do século XV.
O Canal não separou apenas geograficamente, religiosamente ou politicamente Britânicos da Europa. Os protegeu através da história em especial das hordas nazistas no século passado, quando se tornou o único e último bastião a fazer frente aos tresloucados germânicos, a única esperança de democracia do mundo antes que os americanos a eles se juntassem. O canal possibilitou uma cultura toda especial – guiam do outro lado da rua e no carro. Pesam em Libras em vez de quilos, correm em milhas em vez de quilômetros, pesam em libras em vez de quilos, medem em jardas em vez de metros…a lista é longa… e o principal: eram felizes por isso. Tiveram que engolir no fim do século passado a transformação de sua moeda de Libra, Shillings e Pences para o sistema decimal. Esse seu antigo sistema monetário (12 pence = 1 Shilling. 12 deles = 1 Libra) era terrivelmente eficiente no controle da inflação.
Suas instituições de Ensino Superior como Oxford e Cambridge datam da Idade Média e são até hoje referencias mundiais assim como a London School of Economics, a mais venerada da área há séculos.
O que os ingleses estavam cansados era de serem manipulados pelo Banco Central Europeu, comandado pelos Alemães agora com Merkel, não podendo decidir suas receitas de impostos, seus juros, seu nível de despesa publica. A abertura das fronteiras, trouxe para a pequena ilha uma invasão de oligarcas e fortunas do resto da Europa que deslocou o inglês de seus rincões geograficos, criando uma bolha imobiliária, uma inflação no sistema e expulsão dos proprietários originais e jovens para o interior ou uma qualidade de vida bem prejudicada nos subúrbios especialmente em Londres.
O golpe de misericórdia foi a segurança interna que assim como toda Europa já era problemática com o alto nível de imigração islâmica criando bolsões inclusive nas grandes cidades britânicas – Londres, Manchester, Liverpool entre outras – de cidadãos de segunda categoria, menos privilegiados, fonte segura de inspiração para os mullahs e madrassas em arrebanhar fundamentalistas suicidas. A obrigação que Merkel quis impor para a Europa de mais refugiados islâmicos, impossíveis de se serem identificados corretamente quanto ao perigo do fundamentalismo terrorista, pôs um ponto final na vontade do povo britânico de permanecer no bloco Europeu. Tudo ficou ainda mais fácil por não terem adotado a mesma moeda, mantendo a Libra.
Não são exceção na Europa – Suíça, Noruega, Islândia também relutam até hoje. Economicamente a Grã Bretanha é o segundo poder na Europa que também é seu maior mercado comprador. O impacto financeiro – econômico será sentido, mas todos acreditam que no médio prazo vai fazer o país se tornar mais competitivo e com crescimento maior.
A frase que mais se escutava em Londres depois do Brexit era –“Conseguimos nosso país de volta”. Quem deve estar preocupada é a Alemanha que perde um importante parceiro no seu projeto de dominação econômica da Europa já em curso há décadas. Que o digam Portugal, Espanha, Grécia e quase a Itália.
Não se consegue desconstruir diferenças históricas, culturais, sociais com uma canetada oportunista – Inglaterra e Albânia pouco ou nada têm em comum assim como França e Turquia (ainda mais agora…). A Europa ainda é uma colcha de retalhos de paises que nutrem pouca paixão entre si. O Euro e o passaporte vermelho pouco modificou isto.
A paz mundial não sofreu nem um arranhão com o Brexit… europeus estão agora mais preocupados com o bolso, a aposentadoria, o emprego e o verão na praia.
E de qualquer modo… a Fórmula 1 vai continuar a correr em Silverstone e os times ingleses vão continuar a disputar a Eurocopa… Isto sim é importante!

*Economista (USP), mestre em Marketing (Michigan State), doutorando em Administração (CIBU – Califórnia) e professor das Faculdades Reges.