O procurador Ivan Cláudio Marx, do Ministério Público Federal, que denunciou o ex-presidente Lula por obstrução da justiça, teria afirmado que o cidadão brasileiro financiou o PT nos últimos anos. Ora, isto não me surpreendeu nem um pouquinho, pois parece se inserir na suposta “lógica revolucionária” que nunca deixou de caracterizar as ações e, sobretudo, o palavreado, quase sempre vazio e fora de contexto, de muitos integrantes do partido predominante na cena política brasileira nos últimos 13 anos.

Curiosamente o sobrenome do procurador é Marx, mas provavelmente as suas ideias políticas devem pouco ao grande pensador alemão, responsável por uma gigantesca obra que, frequentemente estudada com pressa e com intenções pré-concebidas, já deu e ainda dará pano para muita manga. O nosso Marx, digo, o procurador brasileiro, constatou o que há muito se sabe, mas poucos tiveram coragem de afirmar: o grande financiador dos delirantes projetos petistas de governo, intimamente ligados a uma muito bem urdida rede de corrupção, da qual não estão isentos outros partidos da coligação que levou Lula ao poder, em 2003, é o próprio povo brasileiro, e não apenas a classe média que, mais do que nunca, paga absurdas taxas de tributação, tanto sobre os salários como sobre as mercadorias que compra, mas também uma expressiva parte das classes menos favorecidas.
Por trás dessa rede de corrupção que manteve em pé, até o presente momento, o poder petista, está certamente uma lógica que poderíamos chamar de “lógica revolucionária tupiniquim”, que pouco ou nada tem a ver com a do grande Marx, isto é, o filósofo alemão, não o ilustre procurador. Por essa lógica, ex-revolucionários, que justamente combateram contra a ditadura, mas que ao mesmo tempo nutriam simpatias inconfessas por sistemas totalitários, em que a liberdade individual é sacrificada em nome de um igualitarismo falso, uma vez recuperada a liberdade democrática, dela se serviram para conseguirem eleger-se, naturalmente mediante coligações com políticos que, na época de trevas dos governos militares, ou colaboraram abertamente com o regime ou se calaram, e quem cala consente.
A contradição dessa lógica está justamente em utilizar os meios democráticos para ainda, depois de tantos anos e de tantas mudanças a que o mundo assistiu, chegando mesmo a ponto de não mais ser possível estabelecer facilmente a dicotomia esquerda x direita ou capitalismo x comunismo, alimentar vagas esperanças de uma sociedade igualitária e, na medida do possível, governada sempre pelo mesmo partido ou ao menos pela coligação que apoia tal partido. Perpetuar-se, portanto, por eleições conduzidas demagogicamente e valendo-se de uma conjuntura econômica internacional que já foi, mas não é mais, favorável ao Brasil, não constitui uma forma disfarçada de ditadura, que ainda por cima conta com a desinformação e o desencanto com a política da maioria da população?
Guardadas as devidas proporções, o mesmo fizeram, e ainda fazem, grupos armados de terroristas que primeiramente utilizam os conhecimentos e as estruturas de sociedades que consideram demoníacas, para depois procurar destruí-las em nome de uma fé política ou pseudo-religiosa que não conhece o contraditório, e nem pretende conhecê-lo. Essa lógica revolucionária “tupiniquim” também se valeu da estrutura democrática para vagamente acalentar sonhos totalitaristas, e ainda por cima, nas palavras de Marx, o nosso procurador, ofereceu, e ainda oferece, ao contribuinte a enorme conta a ser paga pela sua voracidade no banquete.
Com isto não se quer dizer que é errado tentar transformar os sonhos da juventude em realidade, e nem que não se deve oferecer uma nova chance a quem no passado acreditou em ideologias que fingem ignorar a importância da liberdade de expressão para os seres humanos. Tampouco se quer afirmar que o melhor dos mundos pode tomar como modelo a sociedade americana atual, onde a liberdade de expressão realmente existe, mas convive, nem sempre pacificamente, com a prepotência do país que, até prova em contrário, possui o exército mais poderoso do mundo, com o qual se impôs ao longo da sua história, nem sempre admitindo ou fingindo admitir o contraditório.
A única lógica que se pode almejar num mundo como o nosso, e especialmente no Brasil, é a de um regime político-econômico que chame todas as classes sociais para um pacto de convivência, no qual tanto o lucro de empresas e bancos possa existir como também o direito de ser bem servido e não enganado, de poder desfrutar de produtos de qualidade oferecidos por industriais e comerciantes que concorrem livremente, mas não corroboram nem seguem o caminho “fácil” e rápido da corrupção, quase sempre associada a partidos e a partilhas de cargos governamentais. A liberdade que se quer, portanto, não é apenas a de comprar e vender, deixando migalhas para os menos favorecidos, para que não pereçam pelo caminho. Devemos desejar a liberdade de expressão que realmente abra caminhos na selva que nós humanos construímos, afugentando os animais selvagens sempre à espreita, com suas garras afiadas que já nos abriram tantas feridas ao longo da história, ainda não completamente cicatrizadas.

*Professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.