Há uma lógica que impera entre profissionais de nível superior, de maneira geral em todos os países do mundo, mas que assume ares de gravidade em países ainda não desenvolvidos, como o Brasil. Com as devidas exceções que, por constituírem exceções, dificilmente são encontradas pelos cidadãos que lidam com as dificuldades cotidianas, profissionais como médicos, advogados, professores, engenheiros e, sobretudo, juízes de direito (e ultimamente até os de partidas esportivas) apegam-se tão somente a fórmulas e preceitos que lhes garantam a própria sobrevivência no emprego, sem a devida dose de abnegação e paixão profissional que determina a passagem obrigatória do mero executor de esquemas pré-determinados e já anteriormente mapeados, deglutidos e devidamente digeridos, para o do profissional dotado de perspicácia, de ideias bem fundamentadas e de dedicação entusiasmada a não apenas encher o próprio bolso, mas principalmente à busca de soluções para os problemas que afligem os seres humanos em geral e especialmente os menos favorecidos na escala social. É o que geralmente distingue o bom do péssimo profissional, principalmente nos escalões superiores, isto é, nas profissões escolhidas pelos que não querem “sujar as mãos” (ou quando as sujam, como no caso dos cirurgiões, exigem polpudas e, por vezes, absurdas recompensas em dinheiro).
Basta lembrar dois casos recentes que envolvem dois magistrados: o juiz Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal, e o desembargador que recentemente absolveu policiais envolvidos no massacre de Carandiru, mas condenou a 6 meses de prisão um ladrão de salame! Lewandovski, na segunda-feira, dia 26, em palestra a estudantes de direito da USP, insinuou que o processo de impeachment, recentemente concluído com êxito e cuja sessão no Senado foi por ele presidida, pode ter sido um retrocesso democrático; já o outro, provavelmente, inocentou os policiais que “reduziram a salame” os presidiários revoltosos do Carandiru por constatar que não havia provas suficientes, não bastando os corpos dos presidiários, ou porque as evidências careciam de “consistência”. Em ambos os casos, os magistrados cumpriram as suas funções, mas apenas burocraticamente. Lewandowski, que nunca escondeu a sua condescendência com o governo de Dilma Roussef, não se empenhou com paixão nem para evitar o desfecho fatal do processo de impeachment, nem para evitar o absurdo ‘fatiamento’ final que transgrediu até mesmo os procedimentos previstos pela Constituição.
Umberto Eco, em A passo de caranguejo, associa a atividade intelectual ao processo criativo, isto é, só exerce verdadeira atividade intelectual o que não se limita a repetir esquemas e fórmulas anteriores. O intelectual verdadeiro, assim como os bons profissionais, cria, renova e amplia o conhecimento visando ao bem-estar da população, e não apenas bate o carimbo, encerrando a sua missão terrena.
O ministro do Supremo Tribunal Federal tomou emprestado o salame da discórdia do juiz que julgou o massacre de Carandiru e com ele ajudou a montar uma bela pizza, dividida em muitas fatias. Não criou, tampouco inovou, mas agora critica o impeachment como algo negativo, quando a própria constituição o prevê. Além do mais, por que só este impeachment, e não o de Collor, por exemplo, foi um passo para trás na história da democracia brasileira? Com a sua fala na palestra aos estudantes da USP, ele provavelmente disse exatamente o que a maioria dos estudantes queria ouvir, mas usou dois pesos e duas medidas, ou melhor, duas pizzas e dois salames!

*Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.