A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de validar o corte de ponto de servidores públicos que decidirem entrar em greve não é nova, disse o especialista em Direito Constitucional e professor da Universidade de Brasília Paulo Henrique Blair de Oliveira. Ontem (27), a Corte estabeleceu que os órgãos públicos podem fazer o corte dos dias parados mesmo antes de uma decisão da Justiça que considere a greve ilegal.
“Nosso equívoco fundamental não é imaginar que a greve não seja danosa, porque toda greve é, mas acreditarmos que uma medida tão pontual e tão pouco inovativa seja a solução para um problema que requer uma política pública que seja desenhada pela sociedade, através do Congresso Nacional”, disse.
No julgamento, os ministros reafirmaram a tese de 2007 do STF, na qual ficou decidido que as regras de greve para servidores públicos devem ser aplicadas conforme as normas do setor privado, já que não há lei específica. O direito de greve no setor público está previsto na Constituição de 88, mas até hoje o Congresso não editou a regulamentação. “E o serviço privado já prevê a supressão dos salários”, reforçou Oliveira.
Para o professor, a lei de greve vigente no setor privado (Lei nº 7.783/89) não resolve questões do serviço público, como o princípio da anterioridade orçamentária. “Há o esquecimento do fato de que o poder público não tem capacidade de negociar porque os gastos são previstos com um ano de antecedência”, disse.
Ele também lembrou os prejuízos à população com os serviços que deixam de ser prestados durante a greve. “Se ele [o servidor] repuser o serviço, ele tem direito ao pagamento, mas se ele não repuser a consequência é catastrófico para a população. Vamos ter um acúmulo em serviços que não deveriam estar atrasados, isso já é uma dificuldade”, argumentou.
Apesar da possibilidade do corte no salário, isso não impede a negociação para compensação dos dias não trabalhados. A decisão do STF prevê, entretanto, que não poderá haver corte, caso a greve tenha sido provocada por atraso de pagamento do órgão público.
Sindicatos
As centrais sindicais, Força Sindical e Central Única dos Trabalhadores (CUT), criticaram a decisão do STF. Segundo as entidades, a medida enfraquece a democracia, ameaça o direito de greve e deixa os funcionários públicos sem opção para pressionar os governos nas negociações dos reajustes salariais.
Para o presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores, Vagner Freitas, com essa decisão, o Supremo deu mais um passo em direção ao retrocesso das relações de trabalho no país. “Ao invés de punições, o Brasil precisa democratizar as relações de trabalho no setor público. O governo precisa regulamentar a Convenção 151 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], para que sejam reconhecidos e regulamentados os direitos trabalhistas dos servidores públicos, entre eles, o direito de greve, de negociação coletiva e de ter um acordo coletivo de trabalho”, disse.
A Convenção nº 151 e a Recomendação nº 159 da OIT foram firmadas em 1978 e dispõe sobre as relações de trabalho na administração pública.
“A democracia brasileira vive um dos momentos mais graves desde a ditadura militar. A judicialização da política e das relações de trabalho leva a um sistema totalitário, que passa por cima do diálogo. A greve, é sempre bom lembrar, é conflito inerente às relações de trabalho em uma sociedade democrática. E um país democrático deve regulamentar a negociação coletiva no serviço público e não punir os trabalhadores”, ressaltou.