Guy Debord, teórico francês, já nos anos 1960, expunha a debilidade – para ele espiritual, do corpo social em “A Sociedade do Espetáculo”. No texto, escrito no contexto da Guerra Fria, do mundo bipolar, Debord tece críticas ao espetáculo de mercado observado no ocidente capitalista e ao espetáculo estatal observado no bloco socialista. E nada poderia ser mais atual no mundo contemporâneo.
O que temos visto – e vivido – frente ao brilho luminoso de nossos aparelhos, ávidos pelo desenrolar das histórias no capítulo do dia de nossa trama-suposta-verdade e o modo como temos – enquanto sociedade, nos comportado diante dos fatos, dos posts no Snapchat, das subcelebridades instantâneas que nas redes sociais vendem sonhos ou jargões-chiclete, nos insere como personagens na distopia de George Orwell, “1984”. Parecemos estar aprisionados.
Nos Estados Unidos o processo eleitoral deu o que falar. As campanhas usaram todos os tipos de materiais que pudessem chamar a atenção do eleitorado – e do mundo, para o bem e para o mal. Teve racismo, xenofobia, homofobia, assédio sexual e moral, episódios que narravam orgias, FBI vasculhando e-mails; sexo, suspense, crime, enfim, elementos que fazem qualquer narrativa ter enorme audiência.
No Oriente Médio, o Estado Islâmico faz sua propaganda de ódio e terror decepando ocidentais em frente às câmeras para seduzir àqueles que simpatizam com suas causas, levando-os à tomada de decisão de seguir essa corrente como membro de uma das muitas células espalhadas pelo globo, enquanto de outro lado, choca o mundo com tamanha crueldade e barbárie.
Na Coreia do Norte, todo dia se divulga uma grande descoberta científica ou tecnológica, cuja aplicação está restrita às fronteiras do país mais fechado do planeta. Exceto o armamento nuclear. A esse, todos estamos suscetíveis.
No Brasil, o espetáculo tem sido visto e aplaudido de tal modo que se tornou o principal ingrediente dessa trama a que chamamos de rotina. Estamos expostos a todo tipo de espetacularização: helicópteros transmitem ao vivo acidentes ocorridos nas principais vias do país; todos a postos aguardando a próxima condução coercitiva; esposas e familiares de políticos encarcerados fazendo caras e bocas, buscando a redenção de seu ente querido diante do eleitorado incrédulo e o melhor ângulo para o jornal do dia seguinte.
Ontem a imagem do ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, esperneando em frente às câmeras, relutando na transferência hospital-presídio, virou meme.
Não estamos falando aqui apenas de uma sequência de imagens e discursos inflamados ou atos de crueldade ou desespero. A questão, é a relação social entre as pessoas, mediadas por tais imagens. Nas sociedades modernas, tudo é representação, como explica Richard Gombim, e isso se relaciona diretamente com a degradação e decomposição da vida cotidiana.
A audiência sempre buscou nos meios de massa uma fuga para a sua própria condição, e agora, nessa trama da vida real, já não se sensibiliza com a personagem na tela, quer apenas que a narrativa, não-ficcional e histórica, prossiga, sem desenlaces, sempre no clímax. O show tem que continuar.
* Doutorando em Letras pela Unesp/SJRP. É presidente da Academia Brasileira de Escritores. [contato@jpvani.com.br]