Qual a relação entre o código verbal e o pensamento? Qual o seu nível de interdependência? Que funções ou constrições o léxico e a gramática exercem sobre o pensamento? Na bibliografia sobre o assunto, duas tentativas de resposta parecem destacar-se, recebendo, não raro, um tratamento que se inclina para a contraposição: ou a língua corresponde a um simples veículo para a expressão de ideias ou tem um papel mais fundamental, atuando como molde ou instância conformadora da visão de mundo do indivíduo e de seu grupo. 

Para alguns estudiosos, o pensamento não é, de maneira marcada, dependente da linguagem ou submetido a ela. A este título, são curiosas e um tanto obscuras algumas declarações de Einstein. Em uma carta dirigida a Jacques Hadamard para atender a uma investigação sobre os aspectos psicológicos da invenção na matemática, o físico afirma que as palavras não são o eixo de seu processo reflexivo, mas, sim, certos sinais e imagens mais ou menos definidos que podem ser propositadamente reproduzidos e combinados. Somente em momento posterior é que este mecanismo associativo se deixa secundar pelas construções lógicas e os conceitos. Einstein chega a especificar que, em seu caso, os elementos que participam do jogo combinatório que antecede à armação laboriosa do discurso racional e coerente são visuais ou até mesmo musculares. A concepção que está na base desse traçado parece ir ao encontro das conjecturas do próprio Hadamard: ele supunha que as figuras mentais dos matemáticos são, na maior parte das vezes, de natureza visual e, menos habitualmente, cinética ou auditiva. Ambos os cientistas estariam em sintonia com toda uma linha de especulação que defende que o pensamento não é configurado pela língua ou o é em um grau relativamente discreto.
Mas é comum também a identificação de uma perspectiva concorrente que sustenta a hipótese de que o pensamento seria, em larga medida, modelado ou limitado pela linguagem. É ela que o possibilita e, ao mesmo tempo, o restringe e o enforma. Há quem considere, inclusive, que é impossível para o pensamento efetuar-se fora da linguagem. Ele se concretizaria sempre e apenas nela, e não exatamente por meio dela. Dado que a linguagem é tomada aqui como objeto histórico e sociocultural, Wilhelm Humboldt, Johann Gottfried Herder e Giambattista Vico são trazidos à baila como inspiradores de toda esta tradição: eles faziam da língua fator constitutivo da identidade de um povo. Por outro lado, Benjamin Whorf e Edward Sapir assomam como os autores da ideia da linguagem como molde social e cultural, leitura que vem sendo problematizada. O que importa aqui, porém, é desdobrar alguns dos argumentos que são empregados para dar credibilidade à proposta.
A língua organiza a cultura e recorta o real de um modo particular. Ela dá forma à cosmovisão dos grupos sociais, pois estes compreendem e enxergam a realidade graças às categorias gramaticais e semânticas. Para clarificar e corroborar a tese, um Edward Lopes, por exemplo, em manual bastante conhecido, fornece uma ilustração típica ao reportar-se às diferenças de sentido entre vocábulos que aparentemente dizem a mesma coisa: “chauffeur” (do francês, “aquele que aquece o motor”), “conductor” (do espanhol, “aquele que conduz o carro”) e “motorista” (do português, “aquele que aciona o motor”). A questão é que ficaria estremecido aqui o pressuposto do senso comum de que as línguas apenas rotulam diferentemente um mundo que ainda assim é o mesmo para todos.
Por certo, a polêmica e as indagações essenciais permanecem não resolvidas. Todavia, o que nem sempre se dá ou, pelo menos, nem sempre se deu, é o reconhecimento de que cada uma das posições pode estruturar-se de modo mais complexo, nuançado e relativizado. Elas podem ser conjugadas ou, quem sabe, conciliadas. Estas parecem ser a trilhas apontadas por pesquisas mais recentes. Mas deixemos isto para outra oportunidade.

Giselle Bueno (gisellebueno@fainam.edu.br) é professora da FAINAM, em São Bernardo do Campo. Átila Bueno (atila@sorocaba.unesp.br) é professor da UNESP-Sorocaba
Colunistas do Jornal O Cruzeiro do Sul