Sinceramente, e o tempo deverá confirmar as minhas suspeitas, Sérgio Moro não conseguirá seguir firme no seu propósito declarado de nunca adentrar nos meandros da política nacional. Dificilmente ele será capaz de resistir ao canto melodioso, tentador e traiçoeiro da política.
Assim como aconteceu com Antonio Di Pietro, o seu equivalente na Itália, modelo de juiz competente e honesto, choverão propostas no futuro para que ele ingresse neste ou naquele partido, mais à direita ou mais à esquerda, dependendo das circunstâncias. A política no nosso sistema de frágil democracia é feita essencialmente de votos e, no caso do ilustre juiz, ele deverá tornar-se um excelente chamariz, disputado por partidos grandes e pequenos, com lugar garantido no futuro cenário político brasileiro.
O que faz de Sérgio Moro um juiz diferente? Mesmo os seus detratores, mesmo os que o acusam de ser uma marionete manipulada pela CIA ou pelo PSDB, devem dar o braço a torcer e admitir a sua coragem, obstinação e zelo no cumprimento do dever. Trata-se de qualidades que, infelizmente, na prática cotidiana da sociedade brasileira, raramente aparecem juntas numa mesma pessoa e dificilmente trazem lucros e benefícios para quem as possui. Lamentavelmente, ao longo da história brasileira, fomos nos acostumando com o profissional “meia boca”, isto é, o que se envolve com o seu ofício sem muita paixão, procurando evitar os riscos inerentes ao seu trabalho. Com as devidas exceções, e o juiz de Curitiba é uma delas, nos habituamos a julgar desnecessária e até perniciosa a abnegação no próprio trabalho, humilde ou de nível superior.
Como um ET no atual panorama sociocultural desolador do Brasil de hoje, Sérgio Moro pode até ter cometido excessos e não cabe a mim, leigo no assunto, julgá-lo desse ponto de vista. No entanto, quem acompanhou a sua trajetória nos últimos meses, se não estiver com a vista embaçada pelo ódio de facção, há de convir que coerentemente ele persistiu no objetivo, com resultados palpáveis, de desmontar um enorme esquema de corrupção que, como um câncer, espalhou-se pelo corpo da nação quase a ponto de levá-la ao estado terminal.
Na Itália, Di Pietro sucumbiu à tentação e chegou até a fundar um partido chamado propriamente de “L’Italia dei valori” (“A Itália dos valores”), mas sem resultados significativos. Foi até cotado, anos atrás, para ocupar o cargo de Presidente da República, que na Itália parlamentarista não tem a mesma relevância do cargo equivalente no Brasil, mas tudo não passou de devaneios de certos setores idealistas ou sonhadores da esquerda italiana. A coragem e a determinação do juiz da operação “Mãos Limpas” diluíram-se até não terem mais significado. Restaram-lhe as lembranças de uma época de grandes esperanças de renovação que não se concretizaram ou se concretizaram parcialmente.
No Brasil, se Moro ceder e ingressar num partido qualquer ou resolver fundar o próprio, temo que a mesma praga rogada em Di Pietro também o atinja em cheio, desviando a sua determinação para objetivos eleitoreiros e convenientes às elites mais retrógradas.
Ao falarem das leis próprias da política, muitos ainda invocam Maquiavel para demonstrar que os ocupantes do poder precisam necessariamente mentir e trair, esquecendo os ideais e a nobreza de espírito. Trata-se de uma leitura errônea do “Príncipe”, a obra-prima do grande pensador florentino. Definitivamente, o “maquiavelismo” não é o pensamento de Maquiavel e a política dos nossos tempos está bem longe da que ele concebeu, consistindo basicamente numa orquestração de grandes investidores e corporações internacionais que manipulam facções ocupadas tão somente em intermináveis e inúteis debates e conflitos, devorando-se mutuamente, quase sempre peças inconscientes de um tabuleiro movido à distância, atendendo aos interesses dos grupos que tomaram conta da economia mundial silenciosamente, como serpentes insinuantes. Não desejo que o nosso corajoso juiz entre nesse mundo, pois, tal qual oInferno de Dante, quem nele entra pode “perder toda a esperança”. Mas será que Sérgio Moro terá a mesma força de Ulisses ao ouvir o canto das “sereias políticas”? Vamos esperar para ver, mas as circunstâncias não me permitem ser muito otimista.
*Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.