As práticas orçamentárias no Brasil relegam a segundo plano a saudável avaliação do retorno social dos programas governamentais. Sem critérios de decisão para a continuidade ou não dos mesmos, o orçamento torna-se um exercício de constante ampliação de rubricas, onde nada se corta e tudo se amplia.
O processo orçamentário brasileiro é incremental. Nesse sistema os gastos e ações em execução são justificáveis pelo simples fato de já existirem, cabendo aos que elaboram, aprovam e executam os orçamentos públicos interferirem apenas em decisões marginais de acréscimos ou de reduções dos programas. A eficiência e a eficácia deles não são analisadas.
A PEC 55 (PEC 241 na Câmara dos Deputados) aprovada dias atrás no Senado pode mudar essa realidade. Ela determina que a expansão dos gastos primários da União em determinado ano não supere a inflação do ano anterior. Tal medida, ao definir um teto para as despesas públicas, vai impor maior racionalidade na gestão orçamentária e força a adoção de uma importante inovação nas finanças públicas que é o orçamento base-zero.
O orçamento base-zero inverte a lógica atual. A cada ano inicia-se a programação orçamentária a partir de uma página em branco. A manutenção de programas e atividades preexistentes e sua exclusão ou alteração, bem como a inclusão de novas atividades e gastos exigem sistemáticas e criteriosas avaliações anuais que justifiquem sua inclusão, exclusão ou alteração. Todo ano, cada projeto, novo ou preexistente, deve passar por rígida avaliação da relação custo-benefício antes de ser incluído na peça orçamentária para o ano seguinte.
Se os gestores das finanças públicas brasileira analisassem minuciosamente os orçamentos, nos três níveis de governo, para aferir a racionalidade dos gastos eles certamente chegariam à conclusão de que há incontáveis dispêndios injustificáveis. Inúmeros programas se mantêm por inércia sem que ninguém os questione em termos de sua eficácia e eficiência. Se fossem avaliados a fundo, segundo critérios de análise social de projetos, muitos deles com certeza seriam imediatamente extintos.
Há situações que necessariamente vão exercer forte pressão sobre as despesas ao longo da vigência da limitação dos gastos como determina a PEC 55, exigindo a redistribuição das dotações. Uma delas, por exemplo, é de natureza demográfica. Até 2036 a população idosa no país deve passar dos atuais 12,1% do total para 21,5%, o que deve aumentar a demanda por serviços de saúde e os dispêndios previdenciários. A revisão periódica de programas e atividades imposta pelo modelo orçamentário de “base zero” possibilita a realocação de recursos para essas áreas.
Se o modelo orçamentário atual permanecer como está, permitindo que gastos automaticamente continuem sendo executados ao mesmo tempo em que novas demandas passam a exigir novos dispêndios, é certo que haverá pressão para o agigantamento do Estado e os desajustes fiscais se tornarão cada vez mais críticos.
O orçamento base-zero e a PEC 55 são fortemente complementares. É uma combinação que tende a qualificar a despesa pública e que restabelece o indispensável equilíbrio orçamentário, necessário para o país recuperar sua trajetória de crescimento sustentável.
*Professor titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV)