Contrariando vários veículos da grande mídia que em algumas ocasiões apregoam o chamado “fim da integração no Mercosul”, é mais do que necessário afirmar que tal sentença é um mito, uma invenção. E por quê? Porque se deve ter em mente que a integração regional, entendida da maneira mais minimalista possível como a formação de blocos regionais é, antes de tudo, um processo e não um fim em si mesmo. Sendo um processo que completou 25 anos em 2016, é mais do que notável que seu desenvolvimento, ou até mesmo a falta de, demande uma sequencia de altos e baixos ou fracassos e sucessos.
Partindo-se da ideia posta no título, também deve-se pensar no Mercosul como uma instituição legítima e possuidora de reconhecimento, seja em âmbito político e principalmente legal, posto que é detentor de personalidade jurídica internacional, fato que lhe dá competência própria para negociar com outros países ou grupos de países. A tão falada parceria entre Mercosul e União Europeia é retrato dessa questão prévia e ainda não foi consolidada principalmente porque toca em uma agenda extremamente importante à nossa região: tarifas de comércio.
Outrossim, organizações internacionais, a exemplo dos próprios blocos regionais, possuem uma característica intrínseca que é a perenidade. Dito de outro modo, nenhuma organização normalmente é criada com “prazo de validade”. São raros os casos históricos de seu desaparecimento, sendo que o mais famoso é o da Liga das Nações, a qual ficou estagnada em virtude da eclosão da Segunda Guerra Mundial, conflito designante do seu colapso. Mesmo assim, serviu de base para a criação da Organização das Nações Unidas anos mais tarde, provando talvez a máxima de Lavousier de que “nada se cria, tudo se transforma”.
E transformações são mais do que necessárias aos blocos regionais. Notadamente o Mercosul passa por uma crise institucional e isso não é algo novo. Pode-se dizer que desde 2012 o bloco está atado e relativamente imobilizado em virtude de alguns acontecimentos, dentre os quais é importante enfatizar a suspensão do Paraguai decorrente do caso da destituição do ex-presidente Fernando Lugo, as crises governamentais ocorridas no Brasil e na Argentina dos atuais presidentes Michel Temer e Maurício Macri – tendo caráter nitidamente anti-democrático a saída de Dilma Rousseff no primeiro caso – e a recente suspensão da Venezuela por não cumprir uma série de medidas acordadas em documentos prévios do próprio bloco, além de tocar em um tópico especial que é o respeito aos direitos humanos e à democracia.
Também há um discurso por muitas vezes vazio de que “o Mercosul não deu certo”. Mas cabe a pergunta: qual Mercosul? Existe um bloco plural e múltiplo em sua agenda e atores. Claramente que um dos seus problemas é ter as tomadas de decisão centradas em órgãos intergovernamentais, nos quais as chancelarias averiguam o que deve ser fomentado ou não, deixando outros atores à deriva. Todavia, o quadro organizacional mercosulino é amplo e a região é muito mais do que a quinta maior economia do mundo, segundo dados do Fundo Monetário Internacional. Tem-se integração educacional, social, subnacional, produtiva, cidadã e assim por diante. Uma agenda que, por várias vezes, passa despercebida pela mídia, mas que, na realidade, é extremamente importante. Não menos respeitável é o papel desempenhado pelo Parlamento do Mercosul (Parlasul), instituição que cada vez mais adere a um discurso de maior autonomia perante as diretrizes regionais. Já há eleições diretas para parlamentares regionais no Paraguai e na Argentina e espera-se que isso ocorra no restante dos países num futuro breve. Algo que representa a continuidade da própria integração regional.
Por fim, cabe o recurso de mencionar brevemente o caso da União Europeia. Após a crise econômica de 2008, os enormes fluxos de refugiados provenientes do Oriente Médio e do norte da África e a provável saída definitiva do Reino Unido do bloco (BREXIT), fala-se em “fim da integração europeia”? Esse debate não está tão presente aqui na região, mas na Europa sim houve arguições sobre isso, só que de uma maneira muito sutil e mais como reflexão de se (re)pensar o rol da integração. Em nenhum momento se pode afirmar com toda certeza que a União se despedaçará no ar. E por quê? Novamente, porque é um processo com altos e baixos, idas e vindas. No atual ano de 2016 marcado por inúmeras incertezas econômicas e políticas internacionais – vide a tão conturbada eleição de Donald Trump nos Estados Unidos – os países da América do Sul não podem e não devem abrir mão de uma iniciativa histórica. O Mercosul, com todas críticas fundamentadas e crises, traz mais benesses aos países membros do que malefícios. Uma organização internacional só finaliza suas atividades a partir do momento em que os atores primordiais veem os custos de seu término necessariamente menores do que os custos de sua manutenção. E esse nunca foi e não é o caso conjuntural do Mercosul.
*Doutorando em Relações Internacionais